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Pergunte pro ChatGPT

Por essas e outras às vezes tem sido difícil escrever sobre gastronomia. Não por falta de assunto, mas ao contrário, por excesso

Publicado em 5 de outubro de 2025 às 09:00

Espumante
  Crédito: Reprodução

Recentemente uma cliente me pediu um orçamento e uma sugestão de cardápio para uma festa íntima. Opções de pratos é o mínimo, o trabalho mais delicado é a coleta de informações e a escuta. O que será celebrado, a que horas, qual o cenário, a estrutura da cozinha, o perfil do público, as restrições alimentares, se há crianças, os desejos e pratos preferidos. Só de posse dessas informações é que eu vou pescar os pratos do meu cardápio da vida, compor a proposta e enviar. Coisa de pelo menos três horas desta mesma vida besta.

Poucos minutos depois de pressionada a tecla Enter do lado de cá, ela me retornou com uma pesquisa de cardápio que fez em paralelo no ChatGPT. Era completamente diferente porque ela não havia passado ao consultor os dados por mim colhidos e havia sugestões absolutamente incompatíveis com a estrutura e com o orçamento. Mas isso porque ela não tinha feito a pesquisa direito, pois é sabido que o ChatGPT é muito, muito sabido.

O meu primeiro sentimento foi um ímpeto de sugerir-lhe que pedisse ao gênio que também cozinhasse, já que é tão capaz, mas obviamente foram as vozes insubmissas dentro da minha cabeça, caladas pela razão de que não se tratava de falta de noção da cliente, mas de uma realidade que eu, como operária da criatividade, preciso encarar, aceitar, e o mais importante, conhecer muito bem as armas do capeta. E digo mais, usá-las em meu favor, como tão bem ensinou o tio Sun Tzu na Arte da Guerra.

Para encerrar esse capítulo, acabou que eu levei mais uma hora para explicar a inviabilidade de algumas sugestões (só porque a pesquisa não foi bem feita, repito), mas no fim das contas acabei apresentando um novo cardápio híbrido, até porque a sugestão do infeliz para o prato principal, de fato, era melhor do que a minha. A cliente ficou feliz e eu também, à medida em que calculava o tempo que economizaria da minha vidinha numa próxima vez, sem maiores explicações e com mais mixagens.

A CRISE DO CONTEÚDO

Por essas e outras às vezes tem sido difícil escrever sobre gastronomia. Não por falta de assunto, mas ao contrário, por excesso.

Parece que tudo já foi dito, que todas as idéias já foram concebidas, todos os planos forjados, todos os restaurantes abertos, todos os pensamentos pensados, todas as receitas escritas, todas os segredinhos revelados, todos os vídeos gravados, todas as fotos feitas, todas as mesas postas, todos os sabores degustados, todas as experiências experenciadas, todos os livros lidos, todos os filmes assistidos e resenhados. E por mais subjetivas que devessem ser as vivências, o gosto é de déjà vu, pão dormido, pizza fria, resdontê.

E nesse imenso mar onde navegam juntos os piores e melhores conteúdos, onde é quase impossível separá-los e tudo se confunde numa imensa e sufocante malha de informação, me vejo à deriva em minha jangada, com as emoções saturadas, a capacidade criativa esgaçada e empobrecida. É que nem a crise da Arte depois de sair das galerias para ocupar desertos, pintar com tinta escatológica, derreter perecível diante dos nossos olhos. Remar para onde agora?

Resgatar memórias? Falar sobre ultraprocessados? Economia solidária, pequenos agricultores e agrofloresta? Tarifas de Trump? Veganismo ou todas as centenas de dietas para cada intolerância? Sustentabilidade, crise climática, aquecimento global? Utopias? Passar receitinha? Só se couber num vídeo de 15 segundos. Comidinha natural para pets? Fútil. Falar sobre a fome? Deprimente. Resenhar restaurantes? Pretensioso e arrogante.

Tudo parece desbotado mesmo sem ser. Tudo já foi dito, é dito, e muito bem dito por gente muito mais competente, muito mais linda e brilhante - diz a voz do desencorajamento dentro da minha cabeça.

MAS GRAÇAS A DEUS É SO UMA BOLHA

Porque ao mesmo tempo, e por mais vertiginoso que seja, gosto e preciso me lembrar que isso tudo não passa de uma restrita perspectiva de bolha. E que lá fora, apesar da promessa de fim de mundo, tem um monte de outras formas de vida, de culturas, de visões, de gentes que nunca tiveram celular e ainda comem e bebem água limpa, e de bichos esquisitões escondidos que ninguém viu e nunca haverá de ver. Creio.

E creio também que para toda bolha deve haver uma agulha.

Katia Najara é cozinheira livre, consultora e gestora executiva em projetos gastronômicos @katia_najara