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Publicado em 26 de agosto de 2025 às 12:26
Se um grande encontro mundial fosse acontecer na minha cidade, eu sairia de casa. Literalmente. Alugaria meu imóvel por alguns dias e, de quebra, talvez até oferecesse carona aos turistas até o local. Isso não é exagero — é o retrato realista do que boa parte das pessoas faria diante da perspectiva de uma oportunidade econômica. E convenhamos: você também, muito provavelmente, faria o mesmo. Afinal, os bilhões de reais em circulação durante eventos como a COP30, que acontecerá em Belém do Pará em 2025, são uma tentação legítima. >
Mas essa corrida por lucros rápidos traz um efeito colateral perigoso: a destruição silenciosa da reputação de um destino.>
Eventos especiais no setor de turismo — como conferências internacionais, festivais ou grandes encontros esportivos — de fato transformam, temporariamente, o mercado local. É quando o setor hoteleiro, o aluguel por temporada, os aplicativos de transporte, os bares, os restaurantes e até quem nunca se viu como prestador de serviço turístico tentam maximizar ganhos. Só que existe uma linha tênue entre aproveitar o momento e ultrapassar o limite da percepção de valor.>
Quando o preço salta para além do razoável — inflado por uma lógica oportunista e desconectada da qualidade da entrega — quem paga a conta não é só o turista. Quem perde, no médio e longo prazo, é a imagem do destino. Em outras palavras: o preço você até consegue corrigir no curto prazo; já a reputação leva muito mais tempo para se reconstruir.>
É o que já está acontecendo em Belém, mesmo antes de a COP30 começar. Denúncias de superfaturamento em diárias de hotéis, imóveis anunciados por valores irreais e um mercado que parece esquecer que, depois da festa, vem a ressaca. E, no turismo, a ressaca é o rótulo de cidade hostil, cara demais, desorganizada — um rótulo que se espalha mais rápido do que qualquer campanha institucional consegue conter.>
Do ponto de vista do gerenciamento de receita — minha área de atuação — isso é um erro clássico. Porque preço não é chute no escuro nem tiro de sorte. É uma construção baseada em dados, contexto, estratégia e, principalmente, sustentabilidade de marca. Não adianta espremer a margem agora se, na próxima temporada, você não tiver hóspedes dispostos a voltar. E eles não voltam. Turismo é memória afetiva, boca a boca, rede social. E má reputação viraliza.>
Belém tem uma oportunidade rara de mostrar ao mundo o melhor da Amazônia, de sua cultura, biodiversidade e povo. Mas, para isso, é preciso que o setor se enxergue como parte de uma engrenagem que vai muito além da lógica do lucro imediato. É hora de profissionalizar a gestão de preços, envolver órgãos do setor de turismo e hotelaria, além de técnicos e especialistas que entendam o impacto de cada decisão no mercado. É pensar em legado, criar experiências memoráveis sem se tornar uma caricatura de si mesma. Ganhar dinheiro com eventos especiais é legítimo. Mas não pode custar a confiança do visitante.>
Quem trabalha com hospitalidade não vende apenas um quarto ou uma refeição. Vende confiança, acolhimento e valor percebido. E isso não pode ser perdido por causa de um evento que dura só alguns dias.>
Chris Penna é fundador e CEO da Bebook, startup de inteligência artificial especializada em gerenciamento de receita para o setor hoteleiro.>