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Não querer é poder

É no excesso de querer que estamos adoecendo

Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 19:04

Uma pausa como ato de resistência. Em um mundo que nos cobra querer sempre mais, não querer também é poder, é cuidado, é lucidez, é humanidade.
Uma pausa como ato de resistência. Em um mundo que nos cobra querer sempre mais, não querer também é poder, é cuidado, é lucidez, é humanidade. Crédito: Reprodução

“Não querer é poder.” A frase é atribuída a Fernando Pessoa, mas eu a conheci recentemente, atendendo uma paciente. Confesso: a frase “alugou um tríplex” em minha mente. Inicialmente soou como um paradoxo, mas depois compreendi que era uma pista poderosa para compreender melhor o mundo líquido, cansado e hiperconectado no qual vivemos.

Na “sociedade do cansaço” descrita por Byung-Chul Han, estamos permanentemente intimados a produzir, responder, decidir. Não há pausa entre as milhares de notificações que disputam a nossa atenção. Não precisamos de chefes para nos vigiar: o tirano habita em nós, disfarçado de vontade própria. O imperativo contemporâneo é “querer sempre mais”. É nesse excesso de querer que estamos adoecendo.

A neurociência contemporânea acrescenta uma provocação ainda maior. Robert Sapolsky, neurocientista e autor de “Determinados: a ciência da vida sem livre arbítrio”, afirma que nossas escolhas resultam de circuitos cerebrais moldados pela genética, pelo ambiente e pela história pessoal. Ou seja, segundo Sapolsky, o livre-arbítrio não existe. Essa afirmação caracteriza um golpe poderoso contra a arrogância contemporânea do querer sempre mais. Se não escolhemos livremente, então o que significa dizer “eu quero”? Ou, qual a relevância real da expressão “querer é poder”?

Salve Fernando Pessoa. O verdadeiro poder não está em querer, mas em não querer. Não querer seguir os chamados para a produtividade infinita. Não querer atender às notificações infinitas das telas. Não querer comparecer a reuniões sem propósito. Não querer fingir entusiasmo e envolvimento onde há exaustão. Não querer acreditar em uma autonomia que a biologia questiona. A lista é interminável...

“Não querer” não é comodidade, mas resistência. É a capacidade de reconhecer os limites do corpo e da mente, de interromper o ciclo da exaustão e criar espaços de pausa, reflexão e cuidado. É a recusa consciente diante de uma sociedade que confunde valor humano com performance.

A neurociência, a filosofia e a poesia refutam a ideia de uma autonomia humana plena.

Nas empresas, nas escolas e nas famílias, reconhecer o poder do não querer é uma urgência. Não se trata de preguiça, mas de lucidez. Se não temos o livre-arbítrio absoluto, ao menos podemos criar espaços onde o descanso, a pausa e a recusa consciente sejam respeitados.

O futuro do trabalho e da educação não está em motivar mais, mas em cansar menos, em não esgotar o humano em nome de métricas inalcançáveis.

O convite é simples e radical: experimente o poder do não querer. Não como negação da vida, mas como afirmação de uma existência menos automatizada e mais humana.

Ivar Brandi, neurologista e palestrante.

Mestre em Medicina e Saúde