Nelson Cadena: minha antena parabólica

Seu sonho de consumo é uma Ferrari, a deles é uma antena parabólica. Se eu morasse na beira de uma estrada, sem renda certa, a primeira coisa que providenciaria para minha casa de taipa seria uma antena parabólica, muito mais importante nas minhas prioridades de vida do que comida, roupa, dez sacos de cimento. Mais importante do que uma geladeira, e não adianta você sugerir o eletrodoméstico como prioridade, preconceito puro, aquela ideia de que pobre tem de atender a ordem de objetivos de consumo que supomos seja o certo. Supomos nós, não eles. Pensei nisso semana passada, no intervalo da Flica, a caminho de Maragojipe para rever a cidade e almoçar, quando me deparei com muitas habitações humildes, quase todas exibindo pequenas e médias antenas parabólicas. Por que não? Já ouvi dizer, devo ter dito também algumas vezes, convencionou-se falar com toda a carga de preconceito que justifica o nosso desconhecimento da qualidade de vida dos outros: “Esse povo pobre é tão ignorante que quando arranja um dinheirinho compra uma parabólica, passa fome, mas não falta uma televisão em casa. Pode?”Pode e deve. Ignorante somos nós que julgamos que as nossas prioridades de vida têm que ser as mesmas dos outros. Comida mais importante do que televisão? Obvio que não é. Pobre já nasceu com dificuldade de comer, não sabe o que é armazenar alimentos, acorda pronto para descolar a comida do dia e na jornada seguinte será outro dia e outra luta para colocar um pedaço de carne e uma farinha no prato. Então, como é que isso é prioridade? O que é não sei explicar, mas não vejo relação alguma entre sobrar um dinheiro e a ideia de fazer mercado e guardar, garantir, digamos, duas semanas de fartura.Comida não é prioridade, é necessidade do dia a dia, e geladeira muito menos, para que geladeira? Para dona Maria, guardar uma garrafa pet de agua, ou as sobras do almoço, quando tem, para esquentar no dia seguinte? Daqui da minha casinha da beira da estrada, acredite moço, não tenho a menor vontade de ter uma geladeira, essas de porta grande com água na porta, como é que pode? Vi outro dia na novela, se era para ter alguma coisa diferente da televisão preferia aquele homem bonito aqui comigo, não ria moço e fale baixo que meu marido, você já viu, é desse jeito, enfezado. Assunte aí.E uma máquina de lavar, a senhora já pensou nisso? Só se for para eu tomar banho aí dentro que nem roupa eu tenho direito? Sim e então roupa nova para a senhora e seus filhos não seria um bom investimento? Nem sei o que é esse tal de investimento moço, mas a roupa que tenho é pouca, dá para o gasto. Para que eu quero roupa nova? Vai sujar de cocô de galinha, gordura de porco, rasgar nas minhas caminhadas pelo mato carregando água e lenha e vai que na hora tenho que limpar a mão com a saia, melhor nessa aqui. E os moleques nem precisam, ficam o dia todo se embolando aí no chão, espie aí, é uma brincadeira que não acaba mais. Uma antena parabólica e um aparelho de televisão para chamar de seu, numa casa humilde de beira de estrada, significa dona Maria não ter de ficar plantada com uma ruma de meninos, aquela zoeira danada, toda noite, na porta dos televizinhos; significa muito mais do que se distrair para não ver o tempo passar. Você sonha com uma Ferrari, casa própria, uma viagem à Europa todo ano? Você sonha com um barco para passear pela Baía de Todos os Santos, sonha com um abadá e um convite para o camarote mais badalado do Carnaval? Sonha com mulheres bonitas? Homens bonitos? Dona Maria já tem isso tudo, você que não se deu conta disso. Conquistou no dia em que o caminhão parou na beira da estrada e lá embaixo o moço de boné abriu a porta dos fundos e berrou: Oh de casa ! É aqui para instalar a antena de TV?