Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Nelson Cadena: Minha cara de batata

  • D
  • Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2012 às 05:05

 - Atualizado há 2 anos

Descobri por acaso esta semana que tem algo errado no meu rosto, talvez esteja na hora de assumir uma outra feição. Me dei conta que tenho vontade mesmo é de ter uma cara de batata, confesso logo sem mais arrodeios, o estalo ocorreu enquanto descansava num sofá de shopping.

Estava eu com ar, assim pensativo, meio circunspecto, quando uma amiga, acho que na melhor das intenções, provocou: “Que cara é essa?” Não dei ousadia: “É a única que eu conheço e a única que eu tenho”, respondi com a sutileza de um rinoceronte adentrando numa loja de cristais. Reparei então nesse meu desejo, até então no plano subconsciente, de ter outra cara, aliás várias caras, uma para cada ocasião. Lembrei das brincadeiras de infância, o joguinho da cara de batata; se você tem mais de 30 anos sabe do que estou falando, senão, imagine o “KTuberling”, a versão game para a internet.

Pensando bem tenho inveja do homem batata. Quando criança pegava o vegetal na despensa, no formato mais assemelhado a um rosto humano e aporrinhava minha avó para comprar os adereços nas lojas de brinquedos: olhos, bocas, orelhas, bigodes, barbas, nariz, cílios, chapéus, bonés e até cachimbo, peças de plástico que,  a depender da quantidade, multiplicavam as possibilidades de enriquecer o figurino.

A brincadeira consistia em montar e desmontar a cara do homem batata e como o tubérculo era natural valia a pena conferir as mutações,  deixar crescer as raízes e algumas folhinhas, que modificavam-lhe o aspecto. Nascia um chifrinho lá, outro cá, orelhas de folha e até sobrancelhas que brotavam por cima dos olhos. O risco era a batata apodrecer, ou expelir água após tanto furar;até isso era uma variável, nada que não pudesse ser resolvido, substituindo a cara murcha por uma cara nova.

Queria eu ter uma cara de batata para tirar as orelhas antenadas e colocar outras para dentro e assim me poupar das quintas sinfonias de pagode nos postos de gasolina, aos fins de semana; quem sabe trocar por orelhas menores para filtrar as trilhas do celular dos outros no elevador, na sala de espera do consultório, na igreja, no cabeleireiro, no cemitério e a bendita, atualização do facebook no Iphone; e um par de orelhas blindadas para aturar os DJs de buzu. Queria mesmo ter uma cara de batata para trocar a boca, virar para baixo na hora do programa eleitoral gratuito da TV; boca para cima ao conferir a alegria dos seres queridos após receberem um presente e quem sabe pôr uma boca de língua na hora de sentar à mesa e sentir aquele cheiro inconfundível da macarronada!

Queria eu ter cara de batata. Para trocar orelhas e bocas, olhos e nariz, barba e bigode, chapéu ou boné, um figurino para cada ocasião. Tem horas que não aguento ver o meu bigode no espelho, já tive vontade de me livrar dele, na faina de aparar as pontas, e se não realizei esse impulso suicida é porque sei que para ter outro não basta trocar como na cara de batata e resolver de imediato; teria de aguardar um ou dois meses para rever o bendito adereço. Ah! Como eu queria ter uma cara de batata para montar e desmontar de acordo com o interlocutor e a ocasião e então eu não seria mais hipócrita nem teria de  tencionar os músculos do rosto para fingir que é o que não é.

Queria ter a possibilidade, e só com uma cara de batata para me permitir o privilégio, de tirar os olhos e deixar o rosto sem eles o tempo suficiente para  não enxergar a nossa querida cidade nesta sua atual realidade de mazelas e descalabros; depois colocar de novo, olhos grandes, desproporcionais, para reparar na Lua cheia e quem sabe  no mar cristalino que um dia haverá de me revelar, e acho que fiz por merecer,  para que meu desejo se cumpra, que a minha cara que eu pensava era de gente não passa de uma tosca cara de batata.