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Nelson Cadena
Publicado em 8 de agosto de 2024 às 05:00
Nos recentes feriados juninos fiz uma descoberta incrível, um achado, compartilho aqui com meus leitores: minha filha fala sozinha. Fiquei em dúvida se tinha ouvido certo, eu estava distante, indaguei se era isso e ela confirmou: “Falo sim, pai, e falo também com Luna”, a cachorrinha. Essa descoberta foi um alívio, minha alma ficou mais leve, pensei logo: ainda bem que o único maluco da família não sou eu. >
Pensando bem, falar sozinho tem suas vantagens, que importa o estigma de ser hábito de maluco que os psiquiatras determinaram já faz mais de um século, é um efeito da alienação, que bobagem! São tantas as vantagens que vou ser econômico nas palavras, para não estourar o meu espaço aqui.>
A vantagem de falar só é que você fala com uma pessoa de sua confiança, que gosta de você, e minha filha me lembrou, nesta profunda reflexão a dois, a gente tem absoluta certeza de que está falando com uma pessoa que lhe ouve, o que não é comum na fala social; seu interlocutor, às vezes, finge que está ouvindo, mas na verdade está focado em outra coisa. Situação corrente em certas reuniões, um fala e o grupo escuta, ou finge que escuta. A maioria, celular na mão, checa mensagens.>
Falar sozinho tem outras vantagens, enumero algumas. Você não está ouvindo um desses chatos de sempre e nem tem que aturar os puxa-sacos que lhe adulam por hábito, nem os caras que lhe olham de soslaio, sabe-se lá o motivo. Você nunca vai ficar se elogiando, a não ser que os livros de autoajuda assim recomendem e, nesse caso, lhe aconselho pedir ajuda.>
Já perdi a conta de quando e em que circunstâncias comecei a falar sozinho, refletindo aqui, deve ter sido na primeira infância. Na adolescência menos provável, adulto com certeza e esse salutar hábito foi incrementado com o surgimento das redes sociais - o espaço virtual do eu sozinho. Nunca postei foto preparando ovo frito, nem representei o papel de bebo todas, dentre outras variáveis do falo sozinho aqui. Mas postei outras besteiras de interesse próprio, sem relevância para os seguidores, falei sozinho. Fazer o quê?>
E, antes disso, incrementado o hábito, quando passei a dirigir, descobri que a melhor atitude, quando um motorista joga o carro para cima da gente, quase provocando acidente, é falar sozinho, reagindo com um simples, básico e salutar “FDP”. Melhor que ter engajamento, o que seria correr atrás, retribuir a fechada, armar barraco.>
Tenho meus interlocutores de estimação, mas é o espelho o que me parece mais confiável. Posso falar: poxa como estou velho, ou como estou feio, ou hoje estou lindo e esse hoje acaba sendo enfático. Melhora o dia. Se você, meu querido leitor, não aprendeu a falar só, esqueça. Não é demérito. Não se avexe por isso. Um dia você aprende. É arte.>
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras>