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Nelson Cadena
Publicado em 31 de outubro de 2024 às 05:00
Quando a Santa Casa de Misericórdia adquiriu, em 1840, as ruínas do Campo Santo, destruído pela turba incitada pelas elites, no episódio que passou para a história como “Cemiterada’, quatro anos se passaram entre a reconstrução e reinauguração do sepulcrário. O rescaldo do motim popular fez com que a Santa Casa priorizasse um público constituído por escravos, indigentes e doentes pobres falecidos no Hospital da Caridade, para não contrariar os privilégios das elites e seus lucros com o sepultamento nas igrejas. >
Na década de 1850, a Santa Casa da Bahia diversificou o público, o que equilibrou a relação receita/despesa, determinado um espaço para a construção de jazigos e imponentes mausoléus. Francisco Lopez Guimarães, proprietário de vários navios negreiros e avô do poeta Castro Alves, foi o primeiro corpo sepultado num mausoléu do necrotério, em 1852. E, no ano seguinte, Antônio Joaquim Alvarez do Amaral, ex-presidente das províncias de Sergipe e do Maranhão, irmão e escrivão da Misericórdia, sepultado em jazigo de grande porte.>
Em 1855, Domingos Borges de Barros, Visconde da Pedra Branca, pai da Condessa de Barral, governanta dos filhos de Dom Pedro II e sua amante por muitos anos, foi enterrado em mausoléu com espaço para doze pessoas de sua família. Esse seria o padrão de construção de imponentes mausoléus, acabamento em mármore de carrara com esculturas decorativas, obras de afamados artistas portugueses e italianos da época, e espaço para mais de uma geração da família.>
Nesse padrão, a destacar os imponentes mausoléus do Conde Pereira Marinho, ali sepultado em 1886, em estilo neogótico, encomendado em Gênova; os da família de Manoel Cardoso Amaral, no formato de uma capela em mármore rosa, com gradeado de ferro em volta; o da família do arquiteto e professor da Escola de Belas Artes José Allioni, também uma capela em mármore cinza, e o do comendador, provedor da Santa Casa e proprietário das Salinas de Margarida, Manoel de Souza Campos.>
O espaço original dos jazigos, próximo da capela de Nossa Senhora da Piedade, foi ampliado para outras áreas do cemitério. Chegou a ter 260 mausoléus, um terço deles já abandonados em inícios da década de 1990. O que no passado tinha sido uma fonte de renda passou a ser uma despesa e um custo de manutenção. Um problema e tanto. Após cogitar diversas intervenções, a Santa Casa criou em 2007 o Circuito Cultural do Cemitério Campo Santo, no modelo de outras necrópoles do Brasil e do mundo.>
Consta de mais de 200 obras catalogadas, representativas da arte cemiterial em estilos renascentista, barroco, gótico, moderno e contemporâneo. Para turistas e baianos é a oportunidade de uma imersão nas manifestações artísticas que no passado solenizaram a morte e hoje vivem.>
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras>