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Nelson Cadena
Publicado em 7 de junho de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Na manhã de 3 de maio de 1919 - um século transcorrido - uma multidão se acotovelava nas imediações das Docas da Alfândega, no Porto do Rio de Janeiro; fogos de artifício saudavam o comboio de seis embarcações que escoltavam o paquete “Florianópolis”, navio do Lloyd Brasileiro que transportava as delegações do Chile, Argentina e Uruguai, que logo mais disputariam com o Brasil a 3ª Copa América.>
Os jogadores desembarcaram cansados da longa viagem, no percurso apenas duas paradas para treino em terra, nos portos de São Francisco - Santa Catarina - e Santos. Os uruguaios, favoritos para levar o caneco pela terceira vez consecutiva, presentearam as autoridades brasileiras com uma coroa de bronze destinada ao túmulo do Barão do Rio Branco. O torneio denominado de Campeonato Sul-Americano - Copa América era o nome do troféu - seria disputado apenas entre quatro selecionados: Argentina, Brasil, Uruguai e Chile. Este último era mero figurante, não tinha equipe à altura dos concorrentes.>
O time brasileiro tinha sido oficialmente escalado 40 dias antes da Copa, após um ano de enfadonhas discussões em torno de como seria formada a seleção; os paulistas defendiam a tese de que a base deveria ser de jogadores do Santos e do Corinthians com o apoio de alguns jogadores cariocas. Um jogo realizado no início de abril entre os combinados A e B balizou a escolha da seleção definitiva. A Copa América era naquele tempo o único campeonato no mundo de seleções de futebol, antecipou-se mais de uma década ao Campeonato Mundial da Fifa que teve Montevidéu como sua primeira sede.>
Mais de três semanas depois da festiva recepção a nossos vizinhos e após inúmeras homenagens, almoços e jantares de praxe, o estádio do Fluminense (inaugurado para o evento) completamente lotado, acomodou 23 mil pagantes e, no gramado, repórteres dos maiores jornais dos países em disputa. O público assistiu desde o apito inicial um Brasil confiante, decidido a apagar o estigma de terceiro lugar conquistado nas duas copas até então realizadas. A multidão ovacionou o selecionado brasileiro quando entrou em campo, três craques na linha de frente portavam corbeilles de flores naturais entrelaçadas com fitas de seda nas cores das bandeiras das três nações amigas.>
Um dos melhores lugares do estádio para assistir à grande final era do lado de fora, o morro das Laranjeiras, mais de três mil pessoas vestindo chapéus para se proteger do sol escaldante das 14 horas entoavam vivas a Friedenreich, o nosso grande ídolo; o craque não decepcionou marcando o gol da vitória contra a esquadra Celeste, na segunda prorrogação, após um jogo de 150 minutos que deixou em frangalhos a musculatura dos atletas. Esse gol e sua magnífica atuação lhe valeu o apelido de “El Tigre” por parte da imprensa uruguaia, na década seguinte já era reconhecido como o melhor centroavante do continente.>
Nos camarotes, a elite festejava brindando com bons vinhos europeus; nas arquibancadas, pequenos balões eram impulsionados de mão em mão; na entrada do estádio, a banda de música da Marinha entoava marchas; no morro, o populacho era pura exaltação. Quem não pôde entrar no estádio e vivenciar a grande festa da vitória, teve a chance de assistir ao jogo, na semana seguinte, no Cine Palais, um filme mudo, chuviscado, produzido por Victor Chiachi, Joaquim Machado e Alberto Botelho. Não existia ainda o cinema sonoro, cabia ao público imaginar a trilha e acelerar o coração. >