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'Eu odeio Carnaval'

Eu não entendo o desgosto por manifestações cuja energia coletiva são de alegria, júbilo, divertimento e felicidade

  • Foto do(a) author(a) Nelson Cadena
  • Nelson Cadena

Publicado em 8 de fevereiro de 2024 às 05:00

Ouço a frase e leio com alguma frequência nas redes sociais. Há quem odeie as celebrações de Natal, também, e há quem odeie as festas populares. Qualquer tipo de ódio que prefiro chamar de desgosto, e creditar a crueza da palavra a uma má recordação, tem as suas motivações, é questão de foro íntimo. No que me diz respeito, e talvez pelas minhas limitações, não entendo o desgosto por manifestações cuja energia coletiva são de alegria, júbilo, divertimento, felicidade. Salvador entra em transe, um estado de graça que recompõe tristezas, desafetos, agruras do cotidiano. Sempre foi esse o espírito da festa. Sempre será.

No geral, quem manifesta desgosto pelo Carnaval não brinca faz anos, assiste pela TV e as redes sociais e, às vezes, nem isso. Um dia brincou e ficou o saudosismo da paquera; das trepadinhas caprichadas, nos circuitos; do lança-perfume no nariz e dos excessos da cerveja e, em tempos recentes, de muitos beijos na boca. Saudosismo da esbórnia, ou arrependimento por não ter debochado como merecia. Esbórnia também é merecimento. O saudosista projeta o Carnaval atual como violento e apaga a vivência de que violento foi nas décadas de 1980/90, a polícia chegava a se infiltrar nos blocos para conter a bandidagem.

O mesmo sentimento ocorre em relação às festas populares que, um dia, se tornaram inseguras, em parte estimulado pela presença dos trios elétricos, em espaços inadequados, e esse ‘recall’ negativo foi a razão do esvaziamento de algumas: Conceição da Praia e Segunda-Feira Gorda da Ribeira, por exemplo e o fim de outras, Nossa Senhora da Luz, para citar uma das mais concorridas.

As Festas de Largo, que não são mais do Largo, ganharam outra feição e um policiamento eficiente, hoje com o auxílio da tecnologia das câmaras e controles de acesso aos espaços. A nova estrutura reinventou e aqueceu as festas de Itapuã, Santa Bárbara, Iemanjá e Senhor do Bonfim. Quem frequenta sabe disso, quem não participa fala sem conhecimento de causa.

Neste século, não há como negar, o Carnaval se popularizou e isso é incompreensível para muita gente que preferia o Carnaval elitizado da classe média e dos turistas, nas décadas aqui referidas, na Praça Castro Alves e na Carlos Gomes, com os sem cordas Jacu e Barão; Internacionais e Corujas e outros blocos de cordas e quando virou elite, da Mudança do Garcia. Saudosismo da música, também de elite, composições que se perpetuaram pela excelência das letras. Músicas que para nós que não nascemos nas favelas, e Salvador é 70% favela, nos fascinam, mas não ao público que com a popularização do pagode, o de raiz e o erotizado, e o funk dos paredões, ganhou uma motivação para brincar o Carnaval.

A música do Carnaval não precisa ser poesia, precisa empolgar e isso o pagode e o funk também o fazem. Quem nunca foi atrás de um bloco pagodeiro não vai compreender a alegria do povo. É transe no sentido mais amplo da palavra. É Carnaval! E neste século, com a valorização e multiplicação dos trios independentes e a invenção do Fuzuê e do Furdunço e a ampliação dos espaços pré-carnavalescos, Rio Vermelho e Santo Antônio, a festa deixou de ser um modelo padrão para ter inúmeras feições. E com isso um Carnaval para todos os gostos, todas as idades, todas as classes sociais. A motivação coreográfica-musical é ao gosto e escolha do folião e assim tem que ser.

Eu já fui indiferente com o Carnaval, nos meus tempos de hippie, porque não o conhecia. Vivenciei a folia em 1978. Entrei em transe e não consegui me recuperar até hoje. Até escrevi um livro sobre o tema, quase uma centena de artigos na mídia e estimulei o resgate e preservação da memória da festa. E nesse sentimento me atenho e cultivo o conceito antropofágico de Oswald de Andrade: “Nunca fomos catequizados, fizemos foi Carnaval”.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras