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Da Redação
Publicado em 29 de janeiro de 2016 às 03:29
- Atualizado há 2 anos
Quando a navegação a vapor na Bahia de fato ganhou uma estrutura comercial e linhas regulares, a partir de 1836, a Festa de Nossa Senhora da Purificação de Santo Amaro obteve um excedente de público, oriundo de Salvador e de outras regiões do Recôncavo: romeiros que antes tinham como único meio de transporte carroças e cavalos que trafegavam pelas estradas de barro, quase sempre enlameadas pelas chuvas de janeiro, e os pequenos saveiros de pesca e cabotagem que em tempos de festa transportavam devotos e simpatizantes.Mas o principal ganho foi de mídia com a publicação nos jornais das linhas extras oferecidas pelo concessionário para atender a demanda do evento e a partir da década de 1860 os tradicionais passeios de recreio com filarmônicas a bordo e bons vinhos para degustar. O Correio Mercantil em sua edição de 29/1/1840 anunciava a saída do vapor Bahia, com destino às festas de Santo Amaro, cujo apogeu ocorria em 2 de fevereiro. Outros jornais da época também anunciavam as linhas regulares e extras e, no contexto, as queixas de sempre dos usuários: incidentes como a falta de carvão no meio do caminho, excesso de passageiros comprometendo a segurança, o não cumprimento dos horários, custo elevado dos bilhetes...De todas as festas populares da Bahia, excetuando a do Bonfim, a de Santo Amaro era a que contava com maior volume de recursos. Influência das faustas festas realizadas no município em 1760, a pretexto de celebrar as bodas reais, a maior festa de todos os tempos já realizada no país naquele tempo. Os senhores de engenho que contribuíram e organizaram esse evento também eles assumiram a responsabilidade de celebrar a padroeira e daí a origem dos relatos da tradição popular: o culto era uma oportunidade do encontro dos grandes proprietários de terra para exibir a sua riqueza e “generosidade”. O caixa da festa era composto de doações registradas no livro de ouro e mais o resultado dos leilões, quermesses e mais tarde os passeios de recreio...Os negros e mulatos, africanos e baianos, escravos ou libertos, participavam da festa como integrantes dos cortejos, através de manifestações culturais as mais diversas: danças de cucumbis, congadas, marujadas, cheganças, maculelê. Os senhores de engenho exibiam seus cavalos de raça com montarias bordadas a ouro e participavam das corridas de argolinhas e dos concursos onde se premiava o corcel mais bonito, o mais bem enfeitado, o de melhor passo. Sem distinção de etnia, a população participava do Bando Anunciador exibindo máscaras. A festa se estendia por mais de uma semana, no estrito calendário da novena, onde a lavagem da igreja, já no século XX, ganhou maior protagonismo do que a procissão com os andores de santo.O jornal O Município, órgão oficial da cidade, em edição de janeiro de 1919, defendia essa participação popular, vista com ressalvas pela elite: “Que mal vai em vermos uma ou duas centenas de raparigas do povo, trajando saias vistosas, cores pavoneantes, e enroladas em rubros panos da costa e variedades de chalés; que mal vai em as vermos carregadas de uma moringa ou vasilhame enfeitado, dançarem o samba, esse nosso regional e requebrado samba?”. O jornal, entretanto, fazia distinções: “O branco e o civilizado” e “o homem de cor, o matuto, o menos civilizado”, porém concluía: “Deixem lá que um sapateado bem miudinho e bamboleado tem mais graça que o ‘passo do urso’ ou ‘da raposa’”, referindo-se a uma dança clássica de salão. O fato é que nas festas de dois de fevereiro de Santo Amaro por mais de um século e meio se manteve o mesmo sistema de organização das faustas festas de 1760, já referidas. Cada dia da novena representava um grupo laboral, ou de ofício, e eles responsabilizavam-se pelos eventos: caixeiros, artesãos, funcionários públicos, usineiros, trabalhadores da estrada de ferro, senhoras e senhoritas da sociedade, professores... No fundo era o resultado de uma ampla mobilização da sociedade santo-amarense que se orgulhava de realizar as melhores festas de fevereiro na Bahia. E tamanho era o prestígio que os governadores do estado e o próprio arcebispo costumeiramente marcavam presença.>
* Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras>