Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Nelson Cadena
Publicado em 12 de outubro de 2023 às 05:00
Em 5 de março de 1890, o então prefeito de Salvador, Luiz Tarquínio, segurou as asas do caixão de um popular, um dos mortos na Tragédia do Taboão, provocada pela explosão de barris de pólvora, diligentemente guardados num dos casarões do logradouro onde ruíram vários prédios, naquele que foi considerado como um dos maiores sinistros na história de Salvador. >
Tarquínio, que determinou que a prefeitura arcasse com os custos do funeral, segurou as asas de um dos 17 caixões que saíram do Hospital da Caridade da Santa Casa de Misericórdia, abrindo o préstito solene e lúgubre, acompanhado por milhares de pessoas, rumo ao Campo Santo.>
Na década seguinte, em 8 de outubro de 1903 - 120 anos transcorridos - o industrial Luiz Tarquínio integrava um outro cortejo fúnebre, também solene, acompanhado por milhares de baianos. Tinha falecido no dia anterior. A notícia da morte do industrial levou as repartições públicas a suspenderam o expediente do dia; estabelecimentos comerciais fecharam as portas; os cinco jornais diários hastearam a bandeira nacional, a meio pau, em sinal de luto, nas suas fachadas; igualmente o Liceu de Artes e Ofícios, Clube Carnavalesco Fantoches da Euterpe, Consulados da Suécia e da Noruega, Associação Comercial da Bahia, Companhia Carris Elétricos e casas da Vila Operária, na Boa Viagem.>
Na sua mansão, no bairro da Graça, onde costumava promover esplêndidas festas carnavalescas, compareceram para o velório o governador do Estado e o Intendente, autoridades cívicas, religiosas e militares, diretores de jornais, amigos e familiares. Quatro de seus filhos e autoridades do Estado e do município seguraram as asas do caixão, no préstito que seguiu rumo ao Palácio do Governo para as homenagens da Guarda, um soldado tocou corneta em marcha batida. E uma banda de música acompanhou o féretro até o cemitério.>
Na Vila Operária, suspenderam atividades a escola, creche, biblioteca, padaria, açougue... e centenas de operários da fábrica de tecidos acompanharam o cortejo fúnebre (a Cia de Carris Elétricos cedeu bondes de graça), pranteando o patrão que de seu jeito promovera a justiça social, décadas antes da existência de uma legislação trabalhista pertinente. Três semanas antes de seu falecimento, a Vila Operária esteve em festa, um animado soirée para marcar a doação de cinco casas, escritura de papel passado, aos operários com 10 anos de serviços prestados à fábrica e “bom comportamento”.>
O bom comportamento referia-se ao cumprimento das normas de convivência na Vila que incluíam asseio das casas, boa vizinhança, conduta moral e cívica, boas maneiras nas festas de São João e outras promovidas no espaço.... A Vila Operária era o que hoje chamamos de condomínio popular, porém com uma diferença abismal. Eram casas de dois andares, bem construídas, arborização e jardins, uma pracinha com coreto e completa estrutura de serviços. De envergonhar os nossos homens públicos com seus projetos habitacionais de cimento, telhas de amianto, ou de cerâmica vagabunda, varandas de meio metro, quando tem, no padrão me engane que eu gosto e acabamento no finíssimo estilo “Art Sacanê, Très Escrotê”.>