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Jorge Cajazeira
Publicado em 8 de novembro de 2025 às 11:10
No final de outubro de 2025, uma operação da polícia estadual do Rio de Janeiro mobilizou cerca de 2 500 agentes para combater a facção Comando Vermelho nos morros, resultando em pelo menos 121 mortos — o maior número já registrado em uma ação policial no Brasil. Apesar da brutalidade dos confrontos, levantamentos revelam que 87,6 % dos moradores das favelas da capital aprovaram a operação, enquanto no conjunto da população do Rio este apoio girou em torno de 62 %. >
Mainha dizia que quem apanha lembra e quem bate esquece. É fato. Note-se que lideranças da esquerda e movimentos de direitos humanos denunciaram o episódio como “massacre de Estado”, criticando a letalidade, a falta de investigações prévias e alegando que a ação vulnerabilizou ainda mais comunidades historicamente marginalizadas. Nada pode ser mais superficial e fora da realidade. A esquerda festiva de Ipanema ataca de novo! A esquerda que saboreia uísque importado na Vieira Souto e não vive a real violência das favelas é míope. O fato é que vivemos em um país extremamente violento. Nossa Bahia é o segundo estado mais violento do Brasil. Dá-me um comichão quando me dizem que o brasileiro é um povo alegre e pacífico, porque isso é uma mentira lavada. >
A compreensão da violência no Brasil exige reconhecer que ela não é apenas um fenômeno criminal ou policial, mas um reflexo profundo da formação social e cultural do país. Desde o período colonial, as relações sociais foram estruturadas sobre bases hierárquicas, patrimonialistas e excludentes, nas quais o poder se exercia pela força e pelo favor. O mito do “brasileiro cordial”, formulado por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936), ajuda a compreender a persistência desse padrão. A cordialidade, longe de significar bondade, expressa a prevalência das emoções e vínculos pessoais sobre as normas impessoais da vida pública. Ao transformar a política em extensão da casa e o favor em substituto da lei, o “homem cordial” consolidou uma cultura de personalismo e informalidade que fragiliza o Estado e compromete a cidadania baseada na igualdade de direitos. Esse traço histórico explica a dificuldade brasileira em enfrentar problemas como a impunidade pois apenas 25% dos homicídios são solucionados e o clientelismo político, que enfraquece as instituições e favorece o uso arbitrário da força. A violência, portanto, resulta tanto do colapso institucional quanto da lógica afetiva e desigual que rege as relações sociais. >
A persistência desse mito evidencia a contradição entre a autoimagem do Brasil, país alegre e acolhedor, e a realidade de um dos maiores números absolutos de homicídios do planeta, com mais de 44 mil mortes anuais. Enquanto o discurso da conciliação encobre o racismo, o machismo e a violência institucional, os números mostram o oposto: nove em cada dez mortes violentas ocorrem por armas de fogo, e os índices de feminicídio e violência policial estão entre os mais altos do mundo. A violência, assim, não é anomalia cultural, mas produto das contradições de uma sociedade que se vê cordial, mas convive com brutalidade, desigualdade e indiferença diante da morte. >
O “jeitinho brasileiro” é frequentemente visto como símbolo de criatividade diante das dificuldades, uma forma simpática de contornar a burocracia. Contudo, sob análise sociológica, revela algo mais problemático: um modo de driblar a lei e as normas impessoais, perpetuando o personalismo e o desprezo pelas instituições formais que marcam a cultura política nacional. >
Em vez de exigir um Estado eficiente e transparente, o brasileiro tende a negociar diretamente com o poder, depender de contatos e favores para resolver o que deveria ser tratado institucionalmente. Esse comportamento reforça o patrimonialismo e apaga a fronteira entre o público e o privado: o que é de todos passa a ser tratado como de alguns. O resultado é a naturalização da desigualdade — quem tem influência “dá um jeitinho”, os demais ficam presos às regras. Ele é a face amena de um problema grave: o enfraquecimento das instituições e da cidadania. Quando todos acreditam que é possível “dar um jeito”, a norma perde autoridade e o interesse coletivo se dissolve. O jeitinho, portanto, é mais que uma estratégia de sobrevivência: é um mecanismo sutil de reprodução da desigualdade e da impunidade no Brasil. >
Culpar a pobreza pela violência é uma outra simplificação enganosa. A pobreza, por si só, não produz criminalidade; o que gera violência é a combinação de desigualdade, impunidade e ausência do Estado. A maioria das pessoas pobres vive de forma pacífica e trabalha honestamente, mesmo em condições adversas. Países com ampla pobreza, como a Índia, confirmam isso: em 2021, o país registrou uma taxa de homicídios de apenas 2,9 por 100 mil habitantes, uma das mais baixas entre as nações populosas do mundo, muito inferior à média brasileira, que foi de 18,2 por 100 mil habitantes em 2024. Esses dados mostram que escassez material não é sinônimo de violência. No contexto nacional, observa-se o mesmo fenômeno. O Piauí, apesar de ter um dos menores PIBs per capita do Brasil, apresentou em 2024 apenas 573 homicídios dolosos, com uma taxa de cerca de 18,5 por 100 mil habitantes, inferior à de estados mais ricos e violentos, como a Bahia, que registrou 40,6 mortes por 100 mil habitantes. Culpando a pobreza, a sociedade desvia o foco da responsabilidade das elites políticas e econômicas e perpetua a ideia equivocada de que os pobres são naturalmente violentos, quando, na realidade, são as maiores vítimas da violência e da omissão estatal. >
Ademais, fomos acalentados desde criancinha com músicas extremamente violentas. As músicas infantis, muitas vezes vistas como inocentes, podem carregar mensagens simbólicas que naturalizam a violência e moldam comportamentos de forma sutil desde a infância. Diversas canções tradicionais reproduzem estereótipos, punições físicas e atitudes agressivas como parte do enredo ou da moral da história. Expressões como “atirei o pau no gato”, “boi da cara preta”, “se não marchar direito vai preso no quartel” ou “o cravo brigou com a rosa” incorporam gestos de agressão, ameaças e disputas como se fossem brincadeiras, reforçando a ideia de que a violência é aceitável, engraçada ou sem consequências. A repetição lúdica dessas narrativas, em um momento da vida em que a criança ainda está construindo noções de empatia e justiça, faz com que comportamentos violentos sejam vistos como naturais ou até divertidos. É um processo cultural inconsciente, mas poderoso, que legitima práticas de violência simbólica e física na formação da subjetividade infantil. >
Vejamos alguns dos nossos heróis que belo exemplo nos dão! Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, tornou-se um símbolo do sertão nordestino e é frequentemente lembrado como um guerreiro do povo contra as elites agrárias e a opressão do Estado. No entanto, sua atuação como líder do cangaço foi marcada por extrema violência: assassinatos, saques, torturas e vinganças pessoais faziam parte de sua rotina. Apesar disso, foi transformado em ícone popular, cantado em cordéis e louvado como espécie de “Robin Hood sertanejo”. >
De modo semelhante, o capitão Carlos Lamarca, ex-policial do Exército e militante da luta armada contra a ditadura militar, é lembrado por muitos como símbolo de resistência e coragem. Entretanto, sua trajetória também envolveu sequestros, confrontos armados e mortes. O problema é que, ao glorificar tais exemplos, a cultura brasileira reforça a ideia de que a justiça pode ser alcançada pela força, perpetuando um ciclo simbólico em que a violência é não apenas tolerada, mas celebrada como virtude. >
Voltemos a Polícia Militar. Quando a sociedade e o patrulhamento ideológico deixa a PM trabalhar segundo a sua doutrina o resultado é muito bem-sucedido. Um bom exemplo é o Carnaval da Bahia quando uma estratégia de operação bem montada, por excelentes comandantes como Cel. Castro, Cel. Anselmo Brandão e Cel. Coutinho, todos eles meus amigos, levam o nível de violência para praticamente zero durante os festejos. >
O Cel. Sérgio da Natividade, meu parceiro de Fonte Nova, diz que durante o Carnaval de Salvador de 2025, a Polícia Militar da Bahia mobilizou cerca de 29 mil agentes na maior operação de segurança da história da folia, com o apoio da SSP-BA e uso de tecnologias como reconhecimento facial e monitoramento por câmeras nos três circuitos oficiais. O resultado foi uma expressiva redução da criminalidade, com queda de 41% nos roubos e 37% nos furtos nos três primeiros dias da festa, além de diminuição geral de cerca de 33% nesses crimes ao longo do evento e 90% dos foliões avaliaram positivamente a atuação policial. Esses números confirmam que a forte presença da PM, aliada ao uso de tecnologia e à prevenção, tem sido determinante para transformar o Carnaval de Salvador em um ambiente cada vez mais seguro. Viva a nossa PM! >
Jorge Cajazeira, é Ph.D. pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP) e consultor internacional de empresas. >