Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Paulo Leandro
Publicado em 9 de novembro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Difícil compromisso terá o Bahia amanhã, ao enfrentar o líder do campeonato, o Flamengo, tendo ainda de fazer as vezes de um atlas, ao carregar o peso de um mundo de cinco jogos sem vencer.>
Pode o tricolor cumprir a missão de roubar três pontos ao Flamengo? Não só pode, como deve. Tem plantel, histórico, camisa para dar tal alegria ao torcedor baiano? Sem dúvida. Positive vibration!>
É clássico e o pensador Jardel já exercitou a lógica aristotélico-tomista ao concluir que “clássico é clássico e vice-e-versa”. O nosso amado ‘fútil’ está cheio de aforismos capazes de dar confiança num bom resultado.>
“Quem não faz toma” é outro exemplo de metafísica dos costumes. O imperativo, seja categórico ou hipotético, é todo do Flamengo e por aí o Bahia pode se criar, encaixando um contra-ataque mortal.>
O “tu deves vencer, uma vez que és líder e tens torcida até mesmo aqui nas barracas de entretenimento do Imbuí” é mandamento do decálogo mosaico do clube dito mais querido, coalhado de torcedores por todo o país.>
A explicação para a gigantesca torcida está na ponta da língua dos milhões de pesquisadores de fútil-bol: foram as transmissões de rádio, quando ainda não havia a televisão, a causa do flamenguismo reinante.>
Esquecem-se os colegas dois fatores dos quais o clube inicialmente de regatas é devedor: ao criar seu time de futebol, cindido de uma rusga com o Fluminense, o Fla treinava em ruas e praias, aproximando-se seus players do cidadão comum.>
Esta proximidade forçada pelas circunstâncias tornou o Flamengo inevitavelmente mais popular no Rio, forjando o caráter de um time de pretos e pobres, cujo perfil foi alterado pela ciência nefasta da mercadologia ao reposicionar o clube na prateleira do mercado.>
Muito antes do rádio esportivo dar o inegável impulso, a popularidade característica de seu berço espalhou-se pelo país, ao realizar as chamadas ‘temporadas’. O Fla viajava de vapor pelo Brasil profundo de Darcy Ribeiro e, em cada pouso, o Urubu bicava adeptos.>
Enfrentar um adversário de tal envergadura exigirá do tricolor muita vontade, e mais que vontade, a vontade de potência, energia chamando energia, para tornar-se o mais forte e, assim, impor ao Fla a crueldade do castigo de um tropeço em seus domínios.>
A memória do valoroso adversário está acesa de momentos dolorosos impostos pelo Esquadrão, e seria gastar tintas lembrar tantos foram os episódios capazes de gravar a ferro e a fogo o quanto o tricolor é capaz de uma mnemotécnica diante do Flamengo.>
Um dos empalamentos mais marcantes foi a vitória na reinauguração da Fonte Nova, na preliminar, antes do acidente até hoje mal noticiado, por ter ceifado vidas, num momento de censura no país, naquele malfadado março de 1971.>
Vencera o tricolor, como tantas outras vezes repetira o ato de lacerar a carne dura da ave de rapina, cujo belo voo contrasta, em estética, com o gosto de banquetear carniças, embora o gesto ecológico de limpar o mundo deva ter seu valor moral reconhecido.>
Voltar a pontuar à larga vai recuperar ao Bahia o apetite pelo sonho de uma vaga na Libertadores, lugar que poderia ser cativo ao clube, por ter sido o pioneiro representante brasileiro na competição dedicada aos heróis sul-americanos.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade. Escreve aos sábados.>