Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

O dom de vencer dos gregos e o trabalho cristão

  • Foto do(a) author(a) Paulo Leandro
  • Paulo Leandro

Publicado em 12 de fevereiro de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

A dignidade moral do trabalho sucedeu a ética grega quando o cristianismo aliou-se a Roma e precisou fazer uma mudançazinha de paradigma nas crenças a fim de fixar seu poder, ainda hoje, prevalecente, visando o vil metal para ajudar bispos tão pobrezinhos.

Qual a ideia-xeque, depois cheque? Quando Constantino alia-se aos cristãos no século III e derrota Licínio, os ideólogos passam a tomar por dogma o valor do trabalho como superior ao talento, puro e simples, da tradição grega.

Até então, o encaixe perfeito com o ‘kosmo’ (grande ordem) era sinal de harmonia e bênção. Agradava-se aos deuses, quando nosso dom de nascença cabia bem no universo, tipo uma peça de playmobil. Encontrou seu dom, pronto: tava feito na vida.

Verifica-se o perigo de insistir nesta crença, 28 séculos depois, quando a Imprensa e a torcida acreditam na eudaimonia (felicidade) por seu clube ter nascido para vencer e, portanto, seu ethos (jeito de ser ou perfil) já vir destinado online às alegrias e prazeres.

Sofremos, então, de uma mania de Grécia Arcaica, quando temos certeza de nosso encaixe com o kosmo, mesmo sendo derrotados pelo Sampaio Corrêa do Maranhão, duas vezes, uma delas perdendo o título da Copa do Nordeste dentro de Salvador.

A certeza de estarmos em paz com Zeus e os olimpianos pode ser negada pelo ‘real’, se somos eliminados na Copa Sul-americana pelo Liverpool, não os Reds campeões do mundo, mas os esforçados uruguaios.

A eudaimonia pode nos escapar, inexplicavelmente, se caímos diante do River – não o da Argentina, mas o de Teresina. E se perdemos para um timeco de segunda, sem nenhum torcedor deles presente à praça esportiva, após longa escrita de 12 Ba-Vis?

Aí, entra o exemplo cristão da dignidade moral do trabalho. Vejam como nasceram os gols, ambos de bola parada. Carleto, para disparar aquela ogiva, não espera que Ares, o deus da guerra, o tenha abençoado com o dom da perna rija. Carleto trabalha muito!

Foi ele quem bateu o córner para Vico furar o bloqueio greco-tricolor e desviar de cabeça, diante dos ciclopes paradões. E ficou a lição de mais trabalho para superar-se: quando receber livre, é preciso proteger a bola, e desviar do goleiro, ao invadir a área.

Enquanto os gregos têm certeza das vitórias, pois as constelações os consagram ‘filhos das divindades’, os cristãos de Canabrava trabalham, trabalham e trabalham, pois conhecem seus limites e precisam superá-los, segundo o profeta. (Carneiro, 88: 20)

Basta lembrar da saga da construção de sua igreja, onde antes só haviam pecado e lixo. Já os gregos não precisam trabalhar, se ganham do governo (leia-se imposto do cidadão) o uso de Pituaçu e depois tomam posse da arena, onde erigem loja e museu.

Quem acredita ter nascido com a finalidade (o ‘telos’) de ser campeão dos campeões, pode repousar de boa, pois os títulos estão escritos nas estrelas e virão naturalmente, basta entrar em campo, depois de a torcida ir buscar o time no ônibus, ainda na rua.

Já a humildade – diferentemente da modéstia – de quem precisa dar duro a fim de superar-se continuamente pode ser a chave para trocar a cruz pelas taças e novas vitórias sobre aqueles que cometem o pecado de hybris – a desmesura.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.