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Paulo Leandro
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 05:15
- Atualizado há 2 anos
Celebram hoje os baianos-raiz (espécie em extinção) o aniversário de Apolinário Santana, eternizado como Popó, primeiro grande craque da Bahia, nascido em Salvador dia 9 de fevereiro de 1902, há 120 anos.>
O boxeador, hoje congressista, é xará deste pioneiro Popó, descendente de escravizados, trazendo as denúncias do racismo ancestral na sua epiderme e na do irmão Joaquim, também jogador.>
Encontramos informações confiáveis sobre o ídolo negro no livro "Popó, o craque do povo", da autoria de Aloildo Gomes Pires, com apoio de Virgílio Elísio da Costa Neto, quando presidente da Federação Bahiana de Futebol. >
Confiáveis porque as confrontamos com outras fontes, considerando os jornalistas como "historiadores do cotidiano" (Graça Caldas), além de conhecermos a pessoa e o caráter do autor da pesquisa.>
Teria o aniversariante de hoje começado aos 14 anos nos jogos de primeiros quadros (algo como uma primeira divisão), atuando por 11 diferentes times do futebol de Salvador, preferencialmente como meia e atacante.>
Até 1912, o campeonato da cidade foi organizado pela Liga Bahiana de Sports Terrestres (LBST); em 1913 assume a Liga Brasileira de Sports Terrestres, aberta à participação dos afrobaianos.>
Depois de revelado no Sul-América, Popó jogou no Fluminense de Salvador, a cópia preta do clube homônimo do Rio de Janeiro. Conquistou o nosso Flu dois títulos e uma popularidade inconveniente para o “bom gosto” da elite local, saudosa do pelourinho.>
Tentaram os senhores da alta sociedade ensinar “bons modos” a Popó, contratado pelo Bahiano de Tênis, mas prevaleceu a rejeição dos “bem-nascidos” aos colored (eram assim chamados, "coloridos", ele e o irmão Joaquim).>
Popó jogou depois no Internacional, campeão de Salvador em 1914, seguindo para o São Bento, no qual teve o dissabor de ser perseguido e afastado no próprio clube, por acusação de "indisciplina tática" (pretexto racista).>
Foi neste período, em 1921, a criação do histórico Combinado Henrique Dias, composto apenas por jogadores pretos bons de bola, homenageando o herói da guerra contra os holandeses, invisível aos livros de história.>
Popó chegou ao auge no Botafogo e no Ypiranga, tendo Santa Dulce dos Pobres como torcedora fiel. Suas façanhas ganham dimensão nacional com o título de campeão brasileiro de 1934, no tempo das disputas entre seleções estaduais.>
Neste ano do bicentenário da Independência, o desprezo e o desconhecimento em relação à história de Popó revelam o quanto somos de última série e passamos até a nos orgulhar de nossa ignorância, desonrando a memória de Ruy.>
Popó entregou-se à bebida, ao parar de jogar em 1937; morreu tão pobre a ponto de ter seu sepultamento custeado pela Federação, em 1955, mas sete décadas após sua morte continuamos os mesmos mal-iluminados.>
Somos incapazes de distinguir a importância de um herói popular e antirracista, cujas proezas com a bola foram reconhecidas em outras plagas, como no episódio do dente de ouro oferecido com a inscrição de seu apelido por um dentista em Belém do Pará.>
Nosso gol de honra é a Rua Apolinário Santana, a principal do Engenho Velho da Federação, onde ficam o Bogum de Mãe Índia e outros terreiros da Grande Bahia de Popó, esquecida de si mesma.>
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.>