RAFSON XIMENES

Topografia do Terror

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  • Rafson Ximenes

Publicado em 18 de julho de 2023 às 12:31

O aprendizado, muitas vezes, é doloroso. Um dos principais museus da Alemanha não se destaca por belos quadros ou esculturas e sim por fotos e textos. Os visitantes não saem eufóricos ou reconfortados, mas chocados e envergonhados. O espaço é localizado no terreno onde funcionou o escritório da Gestapo, a Polícia Secreta nazista e conta a história infamante da atrocidade desse regime.

A Topografia do Terror é um um espaço de acesso gratuito. O objetivo da sua existência é a ampla e irrestrita visitação. O lema é “Nunca esquecer, para não repetir”. É evidente que os alemães se envergonham pelo que foi o nazismo, mas se não lembrarem como chegaram até ele, não perceberão quando algo parecido se aproximar novamente. O mesmo vale para todos os seres humanos, em relação ao que houve lá, mas também ao que acontece nos seus países.

O museu conta que na década de 1930, os germânicos queimaram livros em universidades, pois acusavam seus autores de subversivos e comunistas. O ataque aos professores, aos livros, às universidades se repetiriam na ditadura militar brasileira, se repetiriam em movimentos político-partidários como o “Escola sem Partido” e se repetiriam quando um parlamentar dissesse que professores são “piores que traficantes de drogas”.

Também podemos ver como um grupo conseguiu apoio para as maiores atrocidades. Soube direcionar as frustrações da boa parte da população para o ódio a bodes expiatórios que não seriam parte da “comunidade do povo”. Se havia desemprego, a culpa era dos judeus. Se havia um problema na sua família, a culpa era dos homossexuais. Se havia judeus e homossexuais, a culpa era dos comunistas. Racismo, homofobia e anticomunismo eram fundamentais para Hitler. O ódio era disseminado em nome da “liberdade” do povo alemão.

De outro lado, o “furher” contou com a cumplicidade de quem até discordava das atrocidades, porém considerava que usufruia de vantagens econômicas, portanto escolhia ignorar. Judeus eram perseguidos, pessoas com deficiência eram sacrificadas, havia violência, frases e atos absurdos, mas algumas empresas iam bem. Era como se, no meio de uma pandemia, um presidente fizesse campanha contra vacina, causando centenas de milhares de mortes, pessoas fizessem fila para comer osso e não pudessem comprar gás, mas alguém argumentasse: “pelo menos estou ganhando dinheiro com ações da Petrobras”.

No Brasil, aprendemos desde cedo um contraditório complexo de vira-latas. Todos querem ser europeus, mas agem de modo contrário em relação à sua história. Em vez de tentar lembrar e se envergonhar pelos séculos de escravidão e pelo genocídio dos povos indígenas, tentamos fingir que não aconteceram. Falamos até em escravidão “doce” e homenageamos bandeirantes. Em vez de escancarar os horrores da ditadura militar, tentamos dizer que ela foi branda, que outros países até mataram mais. Assim, continuamos sendo o país do quarto de empregada e dos militares que pensam poder fazer política se auto-proclamando Poder Moderador.

Porém, em uma coisa, estamos iguais aos alemães. Embora não pensemos nos caminhos que levaram a isso, lamentamos e repudiamos o massacre dos judeus na Europa tanto quanto eles. Em contrapartida, eles, assim como nós, não costumam lamentar o massacre que praticaram contra os povos africanos. Os portugueses e espanhóis não lamentam as atrocidades que praticaram na América. Os estadunidenses não lamentam as milhões de vítimas nas guerras que fizeram e golpes que patrocinaram no Oriente Médio e na América Latina. Ninguém chora por quem não é branco.

O mundo ainda lembraria se algo semelhante a campos de concentração tivesse sido criado no Brasil? Se algum povo daqui houvesse sido aterrorizado daquela forma? Tenho certeza que não, afinal tudo isso já aconteceu, embora os alvos não fossem judeus. Durou muito mais tempo que o holocausto e nós mesmos fazemos questão de esquecer. Se nem nós valorizamos a nossa vida, quem vai valorizar? Vamos continuar sendo enganados por quem propõe o terror.