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Hugo Brito
Publicado em 30 de julho de 2021 às 16:02
- Atualizado há 2 anos
A desistência de prosseguir nos jogos olímpicos, por parte da ginasta Simone Biles essa semana, me pôs a pensar em um aspecto da nossa sociedade que, me parece, ficou ainda mais marcante com o advento dos seguidos avanços da tecnologia. A nossa eterna busca pela perfeição. Claro que na hora de colocar um satélite em órbita, controlar uma transação bancária, a operação de um sistema de transportes, a precisão tecnológica é mais do que essencial. Mas nas tarefas meramente humanas, me questiono, se essa precisão de “máquina"é mesmo um caminho que deveríamos continuar trilhando. >
Centésimos…>
Veja, por exemplo, o caso de uma das equipes de nado brasileiras, que disputava o revezamento. Apareceu em quarto lugar e, um pouco depois, veio o resultado. Desclassificados por 0,8 segundos. Isso mesmo, menos de um segundo. O nadador de fora teria pulado 0,8 segundos antes do que estava dentro da piscina tocar a borda. Com certeza alguns dirão: “não seria justo com os outros concorrentes, é competição de alto nível, se perde nos detalhes”. Ok, concordo mas, humanos não conseguiriam perceber algo tão rápido, e numa competição de humanos, e não de máquinas, seria justo deixar com elas a decisão?>
Biles>
Voltando à corajosa atleta que disse um basta à exigência sobre-humana, em prol da sua humanidade, o que ela fez foi um gesto que vai além das arenas de ginástica. Ela questionou o por que de tudo ter que ser perfeito e acima das expectativas. Por que o design de um novo telefone tem que ser arrojado, ultra moderno, ou o novo carro tem que ter linhas nunca antes imaginadas e um monte de tecnologia embarcada. Biles, de uma sociedade como a norte-americana, ou estadunidense como muitos preferem chamar, que é um país adorador da perfeição, da eficiência, mandou parar o mundo para ela descer.>
O ouro, tão desejado e várias vezes alcançado por ela, deixou de ter um brilho que valesse jogar a toalha de sua humanidade. Da atitude da gigante e ao mesmo tempo tão pequena menina, fica a profunda reflexão. Será que é do humano ser perfeito? Vale a pena ficar doente, angustiado, para atender a cobranças estéticas e de comportamento que só são alcançáveis por máquinas? Vale a pena, em última instancia, nos espelharmos em ícones de humanos construídos pelas frações de segundos, e pelos milímetros de distância, impostos pelo avanço tecnológico? >
Nas pranchas>
Nessas olimpíadas dois esportes estreantes - o surf e o skate - trouxeram um frescor em meio a toda essa tecnologia dos super atletas. Foram sim competições, porque competir é naturalmente humano, mas para quem não teve oportunidade de ver as provas, vale a pena usar a tecnologia e dar um replay nas plataformas de streaming, para ser apresentado a uma coisa diferente.>
Entre sorrisos, natureza, quedas e caldos, não estavam ali sobre-humanos e sim pessoas competindo e se divertindo, ficando bravos com falhas sim, mas sendo apenas humanos. Sem muita preocupação em serem os melhores e apenas buscando fazerem o melhor. Não me iludo em achar que ali a tecnologia não vai tomar seu espaço dentro em breve, com sensores, medidores de angulações, aceleração, etc, etc.>
Mas, depois do caminho aberto por Simone Biles, talvez essa mesma tecnologia não dite as regras do que é ser humano, e o ouro, a prata e o bronze das medalhas volte a brilhar mais, com atletas mais felizes e simplesmente humanos. >