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Priscila Natividade
Publicado em 1 de novembro de 2020 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
“Eu recebo muitas críticas diariamente. Que sou estúpido, grosseiro, arrogante, mal-educado. Antigamente eu ficava puto, hoje não fico mais. Não tenho que agradar todo mundo. Deus não agradou, né?”, diz o coach e ex-nutricionista do Flamengo, Thiago Monteiro (@thiagomonteironutricao), ou o ‘Nutri Fofo’, como é conhecido nas redes. Ele acumula mais de 640 mil seguidores só no seu perfil no Instagram.>
Com uma abordagem nem tão fofa assim, Thiago admite que tem um discurso mais duro e, às vezes, até agressivo. “Tenho esse jeito duro, mais agressivo para que a pessoa transforme a vida dela. Hoje você pega minha rede social e tem palavrões sim. Só que antes tinha muito mais”. Thiago Monteiro, conhecido como o ‘nutri fofo’, tem 643 mil seguidores (Imagem: Reprodução) Assim como Thiago, outros coachs com uma abordagem pesada acumulam milhares, ou até milhões de seguidores na internet, muito diferente do coach tradicional, paz e amor (veja ao longo da matéria algumas postagens). “A minha mensagem é motivacional”, garante.>
O CORREIO tentou ouvir também outros perfis que se identificam como de desenvolvimento pessoal e que são conhecidos por esse discurso, entre eles, Wendell Carvalho (@wendellcarvalho) e Italo Marsili (@italomarsili), que juntos somam 5,8 milhões de seguidores. No entanto, eles não retornaram os contatos feitos pela reportagem. Italo Marsili em uma postagem feita dia 16 de outubro (Imagem: Reprodução) Mais de quatro milhões seguem Wendell Carvalho. Muita gente deve se lembrar da polêmica gerada pelo vídeo do Grito da Masculinidade que viralizou nas redes nos últimos meses. O assunto rendeu críticas de incitação à masculinidade tóxica.>
O coach comentou a repercussão em entrevista à Jovem Pan: “O que eu defendo claramente é que está acabando a virilidade e a agressividade nos homens e a agressividade é fundamental dentro de um homem. Mas um homem tem quer ser agressivo com a sua agressividade contida, controlada, não-violenta”, disse. Foram 437 mil visualizações em seu perfil. Mais uma postagem de Wendell Carvalho, que tem 4,7 milhões de seguidores no Instagram (Imagem: Reprodução) O assistente administrativo Marcel Ricardo, de 41 anos, é um dos seguidores de Wendell nas redes sociais. “Para quem sempre teve um pai duro, que empurrou para frente, a linguagem deles é familiar e não tira pedaço nenhum”, diz.>
Discurso A pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Análise do Discurso e Mídia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tâmara Terso, analisa que a construção desses discursos tem a ver com uma disputa de valores na web.“Quando Wendell incita o grito, ele convoca um discurso que naturaliza a agressividade do homem e esse tipo de discurso tem circulado muito nas redes, enquanto cresce também, o discurso do questionamento das masculinidades tóxicas, violência doméstica, violências sexistas e misoginia”.Recursos linguísticos polêmicos costumam ser disruptivos e, por isso, chamam atenção, como pontua a estrategista digital e professora do curso de pós-graduação em Mídias Sociais da Unijorge, Rebecca Lyrio. “A linguagem é imperativa, quase como um comando de obediência imediata”. “Homens masculinos gostam de mulheres independentes desde que elas sejam femininas”, diz Wendell Carvalho. O vídeo tem 1.232 comentários (Imagem: Reprodução) O professor de marketing digital da ESPM Porto Alegre, João Finamor, concorda. “Se os ‘valores’ da mensagem soam semelhantes ao modo de pensar daquela pessoa, ela vai se conectar. É a famosa ‘minha verdade’”.>
O pintor automotivo Geovane Silva, 23 anos, é um que costuma acompanhar as postagens e explica por que gosta: “Um choque de realidade me ajuda a não abandonar meus sonhos”. A empresária Ana Paula Santos, de 33 anos, também conta qual o seu motivo para seguir esses perfis. “Sempre procrastino e isso estava prejudicando meus resultados”, diz. Outra postagem de Marsili nas redes sociais (Imagem: Reprodução) Segue quem quer A coach esportiva que acompanha há oito anos a judoca e campeã olímpica Rafaela Silva, Nell Salgado, também é adepta do palavrão e de um discurso firme. “Se eu digo você é bom para caramba, é diferente de eu dizer você é ‘foda’ para ‘caralho’. Dentro do cérebro, a gente recebe isso de forma diferenciada”, explica. Mais de 34,9 mil pessoas seguem o perfil (@nellsalgado).>
A ideia é impactar mesmo. “Eu vou atrair para mim o tipo de público que quero, o ‘faca na caveira’, o cara ‘foda’ com padrão mental de campeão. O resto é ‘mimimi’. Eu tenho que ter respeito, independente de quem é o outro, mesmo com essa abordagem. O meu discurso é sempre de amor, de troca, empatia. É essa mensagem que eu quero passar. Vai ser difícil sim, bravo, sinistro, mas porque vai valer a pena”. O vídeo de Nell Salgado teve 7.088 visualizações, 48 comentários (Imagem: Reprodução) O psicoterapeuta especialista em gestão emocional, controle do estresse e da ansiedade, Diego Wildberger, explica como funciona esse choque.“A maneira enérgica é também uma forma de quebrar um padrão mental e comportamental. A mente é programada de acordo com três fundamentos: imagem, forte impacto emocional e repetição”. Nem todos, no entanto, seguem o padrão. “Alguns reagem com hostilidade. Também existe a possibilidade de se motivar por essa abordagem. Cada indivíduo é diferente”, reforça a psiquiatra da clínica Holiste, Livia Castelo Branco.>
Master coach, Fernanda Chaud (@fernandachaud) argumenta que dá para equilibrar a visão positiva com o discurso duro. É a proposta do seu perfil que tem 65,3 mil seguidores. Fernanda Chaud: “Querida, não me interprete mal, se não dá produtividade corta” (Imagem: Reprodução) “As pessoas não se motivam apenas por prazer, mas também por dor. Uma coisa não exclui a outra. Eu compartilho o que acredito”.>
CURSOS DE FORMAÇÃO DIVIDEM OPINIÕES>
Se por um lado a Sociedade Brasileira de Coaching (SBCoaching) afirma que cada profissional tem sua própria abordagem, a credenciadora International Coaching Federation (ICF) condena a conduta.>
Segundo a master coach, franqueada e trainer oficial da SBCoaching, Liamar Fernandes, apesar de não ser adepta da postura mais severa, ela ressalta que existe sim, uma divisão entre o grupo mais sensível e o grupo mais duro.“Precisa ter pessoas para todos os níveis, todos os tipos. A SBC não fala de recomendação, a gente não ensina essa abordagem, agora, existe sim, cursos de vendas, por exemplo, que trazem uma proposta mais agressiva para vender. É uma pegada diferente”.Já o presidente do ICF no Brasil, Marcus Baptista, não é favorável ao discurso ‘bruto’. “O bom coach será sempre comprometido com o genuíno interesse no desenvolvimento do outro”, diz. Para a presidente da regional ICF na Bahia, Meiry Santana, é possível encorajar sem ser rude.“Temos uma página dedicada apenas à abordagem que melhor representa o profissional”.Em quatro anos, o número de coachs certificados no Brasil pulou de 25 mil para 44 mil — crescimento de 76%, segundo a SBCoaching. Cerca de 1.158 alunos foram formados na Bahia. >