Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Priscila Natividade
Publicado em 28 de março de 2021 às 16:00
- Atualizado há 2 anos
Sementes de coco de piaçava, seringueira, açaí, paxiúba e flor de inajá estão se transformando em joias pelas mãos de artesãs baianas de comunidades quilombolas do município baiano de Nilo Peçanha, no Sul do estado. E a mãe natureza tem muito mais para oferecer, além de gerar uma oportunidade de renda sustentável para mulheres. Essa é proposta do projeto Arte Solidária Michelin Ouro Verde que está sendo desenvolvido em sete povoados das localidades de Jatimane, Ituberá e Tabocas. >
“Digamos que é uma conexão Amazonas-Bahia”, destaca a designer amazonense Maria Oiticica que está à frente do programa com a Michelin Pneus, que atua no sul da Bahia, desde a década de 80. Maria Oiticica é referência na criação e produção de peças feitas de sementes e fibras do Norte do país, desde que fundou a marca de biojoias que leva o seu nome e abriu seu primeiro ateliê, no Rio de Janeiro, há 17 anos.>
“Em 2017, tive a oportunidade de visitar pessoalmente a Reserva Ouro Verde Michelin na Bahia. Essa visita foi muito marcante para mim, pois, ao me deparar com as seringueiras, me vi na Manaus da minha infância. Meu pai era o que se chamava de ‘regatão’, um trabalhador que se embrenhava pelos rios amazônicos para fazer o transporte do látex para os barões da borracha. Foi uma viagem no tempo”. >
Em uma das localidades visitadas pela designer, ela viu uma senhora trabalhando a piaçava. Pediu para fazer uma foto e como resposta ouviu: “Pode sim, claro, todo mundo vem aqui, fotografa, e nunca mais aparece’. Aquilo me bateu fundo. Voltei para o Rio de Janeiro, criei a coleção Origens feita com sementes das seringueiras, mas queria algo mais. Foi quando nasceu a ideia de um projeto que tivesse esse potencial criativo e que estimulasse a força empreendedora feminina da região”, completa. >
As oficinas ministradas por Maria Oiticica, de agosto de 2020 até fevereiro, abordaram técnicas de beneficiamento de sementes, furação, corte, polimento, tingimento, montagem, empreendedorismo e comercialização. Por conta da pandemia, todas as aulas foram online. A inclusão digital, para que as alunas acompanhassem o curso, contou com o apoio da ong Ação Ambiental. Ao todo, 20 mulheres participaram da iniciativa.“São artesãs fantásticas, criativas, dedicadas e generosas. Lançamos a coleção em março que muito me orgulha e que tem toda a renda revertida para elas. As peças custam entre R$ 42 (brincos) e R$ 110 (colar longo)”. São mulheres como a artesã, Eleildes do Rosário, de 37 anos, que carrega um sentimento de realização em cada biojoia que nasce das suas mãos. “O que acho mais bonito é ver a transformação da matéria-prima em design e em várias formas diferentes. Cada peça tem um significado muito especial para mim. A natureza traz tranquilidade, uma leveza e conexão, inspiração. Cada árvore é especial”. >
Direto da terra Já a também artesã e aluna do curso, Danila de Jesus, de 19 anos, diz que o que ela mais gostou de montar foram os brincos. É com o artesanato que ela ajuda a família. “O processo em que a peça vai ganhando forma, nos dá uma sensação de capacidade e tudo se complementa”. >
Nada é retirado, nem arrancado da natureza, como destaca Maria Oiticica. As biojoias são produzidas a partir de restos, cascas, fibras e sementes que já encerraram seus ciclos. “É possível conciliar preservação com o uso sustentável dos recursos naturais. Para tal, nós temos que fortalecer os atores locais, promovendo sua capacitação, especialmente para atividades geradoras de renda. As próprias artesãs dividiram conhecimentos e se espelharam umas nas outras. Isso é a parte mais emocionante”, ressalta a designer. >
Com grande domínio de Mata Atlântica, o potencial da região do Baixo Sul abre uma nova frente de mercado para o trabalho das artesãs, a partir do beneficiamento responsável de florestas. O município de Nilo Peçanha é conhecido pela atividade pesqueira, além da produção agrícola baseada na cultura da piaçava, guaraná, açaí, cacau, borracha, coco-da- baía, dendê, palmito e banana. “O projeto aponta para um amplo campo de desenvolvimento do setor. As artesãs aprenderam, rapidamente, as duas coisas fundamentais: o olhar e o cuidado com o controle de qualidade, com cada detalhe da produção. O resto, a criatividade e a beleza, já estão dentro delas”. Joias orgânicas e capazes de alimentar uma grande cadeia produtiva que envolve etnias e mulheres em situação de vulnerabilidade. A Michelin cedeu todos os insumos para a produção das peças durante o curso, entre eles, as sementes de seringueira que fazem parte da matéria-prima utilizada na produção de borracha natural. As sementes são encontradas na região e as artesãs utilizam exatamente a mesma matéria-prima que a designer Maria Oiticica usa em suas criações. >
Apesar de não divulgar o valor do investimento no projeto, por ser uma empresa listada na bolsa internacional, a diretora de Comunicação da Michelin na América do Sul, Glauce Ferman, adianta que a proposta é expandir o programa. Só no município de Nilo Peçanha são 4 mil hectares de plantações de seringueiras e 2 mil hectares de cacau, mais a geração de 350 empregos diretos. “A escolha das comunidades e das artesãs teve como objetivo criar novas oportunidades para elas estarem prontas para a retomada da economia. A ideia é que o projeto chegue a outras localidades, mas ainda não existe uma data definida”, pontua. A coleção está disponível para venda no site da Maria Oiticica (loja.mariaoiticica.com.br). >
SOBRE O MUNICÍPIO DE NILO PEÇANHA>
Segundo o último censo realizado pelo IBGE (2010), o município de Nilo Peçanha, no Baixo Sul do estado, tem uma população de 12.530 pessoas e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,547, ocupando a 375º posição no Ranking da Bahia. >