Gabriel Martins fala sobre indicação de Marte Um para representar o Brasil no Oscar

Filme é o primeiro dirigido por um cineasta negro escolhido pela comissão oficial

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 9 de setembro de 2022 às 06:00

. Crédito: Foto: Divulgação

Havia um menino, um moleque, lá na pequena cidade de Contagem, Minas Gerais, que até hoje mora no coração de um adulto realizado. Ele dizia aos quatro cantos que seria cineasta e fez desse sonho algo obsessivo - até conseguir. Mesmo nos momentos em que o adulto balançava, anos mais tarde, o menino seguia dando a mão e garantia: vamos conseguir.

Menino e adulto se fundem  na história de Gabriel Martins, 34 anos, referência da nova geração de cineastas brasileiros e diretor do longa-metragem Marte Um, que teve sua estreia mundial no Festival de Sundance e irá disputar uma vaga na categoria Melhor Longa-Metragem Internacional no Oscar 2023. 

A indicação da Academia Brasileira de Cinema já é um grande feito. Foi a primeira vez que o Brasil indicou um filme de um diretor preto para o tapete vermelho. Caso seja escolhido, Gabriel Martins será o quarto diretor preto a ter um filme indicado nessa categoria no Oscar. Os outros foram: Rachid Bouchareb (indicado por Days of Glory, Dust of Life e Outside the Law), Abderrahmane Sissako (Timbuktu) e Ladj Ly (Les Miserables).

“Desde criança eu queria ser cineasta e acho que esse desejo veio muito de ver cenas de bastidores de filmes e me interessar pela magia do cinema, entendendo o que isso significa. Esse menino de Contagem hoje diria que sempre acreditou, sim. Esse sonho me tomou de uma maneira obsessiva e ninguém poderia me demover dessa ideia de fazer filmes”, afirma Gabriel.

O caminho não foi fácil. Ser negro nesse ambiente faz com que o entorno ofereça dificuldades. Até ser respeitado e ouvido foi uma grande caminhada - que ainda está sendo trilhada, por sinal.

“Entender que suas histórias, vontades, ideias são sérias e nem sempre acho que existe esse respeito e entendimento. O desafio é conseguir espaço como uma pessoa de intelecto mesmo, que não vai estar a serviço de um sistema maior, que terá autonomia de criar, movimentar ideias e liderar projetos”, elenca Gabriel.

Para ele, abrir espaço para cineastas negros é uma obrigação do Brasi. “Não é só o fato de trazerem ideias potentes. Isso é um resultado bônus. A questão principal é pelo menos ser justo com a configuração social do Brasil. Se essas vozes são uma parte grande de nossa sociedade, contribuindo com impostos, força de trabalho e cidadania, que também sejam representadas nesse campo historicamente tão elitista”, considera.

O filme traz o cotidiano de uma família periférica, nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais. O garoto Deivid (Cícero Lucas), o caçula da família Martins, sonha em ser astrofísico, e participar de uma missão que em 2030 irá colonizar o planeta vermelho. Morando na periferia de um grande centro urbano, não há muitas chances para isso, mas mesmo assim, ele não desiste. Passa horas assistindo vídeos e palestras sobre astronomia.

O pai, Wellington (Carlos Francisco, de Bacurau), é porteiro em um prédio de elite, e há um bom tempo está sem beber, uma informação que compartilha com orgulho em sessões do AA. Tércia (Rejane Faria, da série Segunda Chamada) é a matriarca que, depois um incidente envolvendo uma pegadinha de televisão, acredita que está sofrendo de uma maldição. Por fim, a filha mais velha é Eunice (Camilla Damião), que pretende se mudar para um apartamento com sua namorada (Ana Hilário), mas não tem coragem de contar aos pais.

O filme é assinado pela produtora mineira Filmes de Plástico, fundada em 2009 por Gabriel, Thiago, André Novais Oliveira e Maurilio Martins. No catálogo, a produtora tem longas premiados como Temporada, Ela Volta na Quinta, No Coração do Mundo e Contagem, que foram destaque em festivais com Cannes, Roterdã, Brasília e Tiradentes. Com Maurilio, Thico codirigiu seu primeiro longa, No Coração do Mundo (2019).

Panorama na Bahia

Gabriel Martins integra o trio de consultores do laboratório de Roteiros do XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema, que acontece de 3 a 9 de novembro. Os interessados podem se inscrever no Panlab de Roteiros até amanhã, no site panorama.coisadecinema.com.br, mediante pagamento de R$ 20 para curtas e R$4 0 para longas. Roteiristas baianos ou residentes na Bahia podem participar. Serão selecionados até dez roteiros, entre curtas  e longas. 

A relação de Gabriel com a Bahia começou justamente no Panorama Coisa de Cinema. “É um festival que sempre tratou nossos filmes com muito carinho, que dá luz a uma cena local e que pensa o cinema brasileiro, trazendo o cinema para essa cidade que é tão fundamental para nossa história. É minha cidade favorita no mundo, em meu estado favorito no mundo, onde desejo morar e envelhecer”, revela o cineasta.

O filme está em cartaz no Cine Metha Glauber Rocha (15h40 e 19h20), Saladearte-Daten Paseo (11h40, sáb e dom; e 15h05, sex, sáb, seg e qui) Saladarte-Museu (14h45)