Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Vinicius Nascimento
Publicado em 27 de novembro de 2022 às 16:00
As cordas são um dos elementos que despertam mais curiosidade dentro do universo de capoeira. Tem cor específica para mestre? Existe um regramento geral como no judô e no caratê? A resposta é: sim e não. Inclusive, a questão das cordas é um objeto em disputa até hoje por diferentes correntes de capoeiristas ao redor do mundo. Tem gente que, inclusive, sequer as usa, e defende que seja assim.>
Segundo o mestre Guga, da Mundo Negro Escola de Capoeira, em Itapuã, parceira do Afro Fashion Day 2022, o mais comum é que escolas de capoeira Regional e Contemporânea, como a sua, utilizem as cordas. Dentro do senso comum, afirma-se que foi Mestre Bimba (1899-1974) quem as criou para poder distinguir cada graduação dentro do modelo na Luta Regional Baiana, atual capoeira Regional.>
“O grupo Internacional de Capoeira Mundo Negro é descendente do Grupo Anjos de Angola, criado por José Paulo dos Anjos, o mestre fundador de tudo lá na década de 1950. Quando ele criou o grupo Anjos de Angola, após ser aluno de Mestre Canjiquinha, criou as graduações inspiradas na bandeira do Brasil”, explica Guga. “Usa verde, amarelo, azul e branco. A verde é a primeira corda, das 17 graduações que temos. A de professor é azul, verde, amarela e branca. A corda branca de ponta verde é de mestre em primeiro estágio, com a ponta amarela é segundo; com a ponta azul é mestre em terceiro estágio. E a branca é a autoridade máxima”, completa.>
Mestre Guga conta que já houve a tentativa de se padronizar as cores de cordas, mas até hoje isso não existe de maneira oficial. “A linhagem que te falei é voltada para capoeira Angola, mas você encontra capoeiristas da linhagem de Angola ou Contemporânea usando outras cores”.>
Lenços e símbolos Filho de Mestre Bimba, Mestre Nenel é taxativo ao discordar que seu pai tenha criado qualquer sistema de cordas ou graduações: “Meu pai nunca formou professor, nunca formou contramestre, nunca formou mestre. O mestre era ele. Ele nunca criou graduação”.>
Mestre Nenel observa que alguns capoeiristas consideram que os lenços utilizados por Mestre Bimba nas formaturas e batizados eram uma maneira de se graduar, mas ele discorda. “A gente só usava o lenço no dia da formatura e recebia uma medalha de honra ao mérito. Pra mim, aquilo ali era um símbolo daquele cerimonial. Depois você guarda. Nunca ninguém foi para a academia com lenço no pescoço”, reforça.>
O lenço era uma maneira de Mestre Bimba homenagear capoeiristas antigos, que utilizavam o objeto no pescoço para se proteger de terem a carótida cortada por navalhas. Navalha não corta lenço de seda. Era um artifício utilizado para proteção pessoal. Os formados recebiam um lenço azul. Dentro do método de Mestre Bimba, havia outras etapas de especialização: a 1ª (lenço vermelho), a segunda (lenço amarelo) e o Mestre xarangueiro, que recebia o lenço branco.>
Mestre do CTE Capoeiragem, Balão conta que o batizado é sinônimo da inserção do aluno no universo da capoeira. Na versão Contemporânea, os alunos, por meio de uma festa, têm a oportunidade de conhecer os diferentes mestres e professores convidados. Após o batismo, o aluno entra oficialmente no mundo da capoeira, recebendo sua primeira graduação.>
Após ser batizado, o aluno, mais amadurecido, trocará de graduação até a formatura, quando alcança o cordão azul, denominado de aluno formado ou instrutor - caso esteja dando aula. E assim segue até receber o título de mestre.>
Mestre Balão é professor de capoeira Contemporânea. Ele conta que, com a popularização da capoeira, foram criados sistemas de graduação para crianças e adolescentes, diferente da graduação para adulto. “Uma criança hoje em dia pode começar a praticar capoeira com dois anos. Então, considerando que ela siga o seu caminho e treine com constância, chegaria ali aos 11 anos e já teria uma corda de mestre. Por isso, criamos essas cordas diferenciadas”, explica.>
No último dia 19 de novembro, em celebração ao Dia da Consciência Negra, o CTE Capoeiragem realizou o Batizado e troca de graduações de cerca de 100 crianças e adolescentes participantes do projeto Capoeiragem Mirim, em Camaçari, patrocinado pela Braskem, que promove uma imersão em estudos e práticas da Capoeira de forma gratuita.>
Hierarquia e liberdade A professora Negona, do Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra, explica que, no entanto, muitas escolas de capoeira Regional utilizam as cordas. “Na maior parte dos grupos, a corda dos mestres é branca. Mas não tem um padrão para as graduações, 90% dos grupos tem a sequência de graduação: monitor, formado, professor, contramestre e mestre”, explica.>
Segundo Negona, o aluno pega a primeira corda após 6 meses de treinamento e a cor varia de acordo com o grupo: pode ser verde, verde e amarela, azul, azul e amarelo, azul com verde escuro, verde escuro com laranja, todo laranja e azul escuro ou verde escuro com branco, por exemplo. >
“No meu grupo, o aluno começa com a corda verde. Aluno avançado é verde escuro com laranja. Formado, é azul escuro. Varia muito de grupo, mas costuma ser bem parecido. Na capoeira Angola alguns grupos nem utilizam corda, mas têm a questão da hierarquia”, aponta.>
Essa hierarquia é explicada pelo Mestre Tubarão, da Escola Guriatá, que fica no Conjunto Guerreira Zeferina, em Plataforma: “Tem uma trajetória. Eu aprendi que passa de aluno para contramestre, depois vira professor ou mestre. Aqui a gente ainda utiliza Aluno, Treinel, Contramestre e Mestre”, enumera. E acrescenta: mas sem utilizar cordas.>
Liberdade O contramestre Xequerê, fundador da Orquestra de Berimbaus Afinados XequerÊ (Oba DX), defende que cada escola ou grupo seja livre para fazer o que quiser e se posiciona contra a tentativa de padronização.>
Ele aponta que a capoeira floresce na Bahia dentro de um momento de opressão e era uma ferramenta para pessoas pretas se libertarem e sobreviverem. “É a partir de alguns anos, de depois ir pra dentro de universidade, para dentro do regime militar com mestres articulando sequências, que surgem as graduações. Já existiam antes, mas não como corda, da forma que temos hoje. Mas a capoeira sempre foi muito livre, criada pra essa liberdade, esse desenvolvimento”.>
Educador físico e músico de formação, ele diz que houve uma tentativa de padronização por Conselhos Regionais, como o de educação física, mas que muitos mestres foram contra porque retirariam o livre arbítrio de cada escola contar as suas trajetórias,por seus sistemas de graduação.>
“Mestres e mestras, com muitos anos de capoeira, começam a não ter livre arbítrio para colocar suas graduações em suas escolas. Porque pode vir decreto de pessoas que não fazem parte da capoeira, fazem o regimento de artes marciais. A capoeira é uma luta afrobrasileira e indígena, não é apenas arte marcial. Há todo um aparato de musicalidade, ancestralidade, ritual, que vai muito além da luta”, completa. A Federação Brasileira de Capoeira, no entanto, adota um sistema de graduação das cordas em cima das cores da bandeira do Brasil, iniciando no verde e indo até a branco.>
As cordas estiveram presentes em diversos looks do Afro Fashion Day. Um deles foi do designer Filipe Dias, estilista baiano conhecido pelos efeitos visuais artísticos que imprime nas peças que concebe e que, no último mês de outubro, chamou atenção do diretor criativo e stylist Alexandre Dornellas, que estava produzindo o editorial de capa da revista Vogue, nomeado de Butterfly Effect (algo como efeito borboleta).>
[[galeria]]>
Filipe assinou um total de seis looks para o AFD, passarela que foi fundamental para o início de sua carreira e onde fez seu primeiro desfile, em 2019. Uma dessas peças foi a utilizada pelo modelo Pedro Luz, vencedor da seletiva de bairros, que destaca a potência dos cordões. “Esse look estava inserido no bloco contemporâneo, então eu pego uma calça de capoeira convencional. Essa ideia surgiu a partir de uma imagem que encontrei do capoeirista dando um mortal e veste a calça de capoeira daquele jeito: azul, com as listras”, recorda.>
Ele transformou a calça utilizando a técnica de enchimento TNT (tecido-não tecido) laminado. No entanto, achou que precisava de mais alguma coisa, dando sensação de movimento, como é comum ao ver rodas de capoeira. “A ideia das cordas vem aí: quando o capoeirista dá um salto, as cordas sacodem também. Para dar o efeito de movimento que queria, usei arame, com todas as cordas, de todas as cores”, disse Filipe.>
O Afro Fashion Day é projeto do jornal Correio* com patrocínio de TikTok, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e Sebrae, apoio do Shopping Barra, Suzano, Vult e Salvador Bahia Airport e parceria da Melissa.>