Negro, coletivo e histórico: Juarez Paraíso é homenageado no Palacete das Artes

Escola de Belas Artes da Ufba comemora 145 anos com exposição retrospectiva de um de seus educadores mais ativos

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Paula Fróes
Oxumaré (destruído). 1988. Relevos de massas de cimento e barro e tinta acrílica. Mural do Cine Art I (destruído). por Foto: Acervo Pessoal/Juarez Paraíso

Juarez Paraíso repete, há pelo menos 50 anos, que nunca foi nada sozinho. Sempre foi o coletivo. E grande parte de sua construção coletiva foi dentro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (EBA). Terceiro filho do casal Isaltino Concécio Paraíso, um homem negro, e Eulália Martins Alves Paraíso, mulher branca, veio com a família para Salvador aos 8 anos porque seu pai, um democrata, sofria ameaças dos coronéis em Minas de Rio de Contas, na Chapada Diamantina. Foi na cidadezinha onde teve contato com o que seria o seu primeiro amor: a arte.

Crescido, conheceu o sua grande devoção - a EBA. “Nesta efêmera passagem por nosso planeta de gravidade baixa, se o homem não encontrar um sentido está arrombado. A EBA forma artistas, educa e a educação é a maior precursora de qualquer comunidade e grupo humano. Fui professor, a profissão das profissões, dediquei toda minha vida à docência”, recorda.

Aos 88 anos, Juarez será homenageado em uma exposição que tem abertura nesta quarta-feira (21), às 18h, e faz parte das comemorações aos 145 anos de fundação da Escola de Belas Artes. Batizada de As Poéticas Visuais de Juarez Paraíso, reúne obras produzidas no decorrer dos 70 anos de vida artística em diferentes searas como o desenho, a pintura, a escultura e a fotografia. 

“É uma homenagem aos 145 anos da EBA, que é a maior protagonista da Arte Moderna na Bahia. Neste momento, comemoramos a Semana de 22 e podemos dizer que a EBA se deve à produção de um grupo que foi responsável pela internacionalização da Arte Moderna na Bahia”, diz orgulhoso o artista, que ensinou também na Faculdade de Arquitetura. “A EBA foi o sentido que encontrei para a minha vida”, reitera.    Cristomulher: obra em arte digital, experimentada por Juarez Paraíso a partir dos anos 90 está na exposição (Foto: Divulgação) Arte pela cidade

A exposição é uma oportunidade para o público conhecer o trabalho de Juarez. Ou se dar conta de que já o viu por aí inúmeras vezes e não fazia ideia. Sua obra é marcada por objetos circulares e fluídos. E ele já fez de tudo um pouco quando o assunto é arte, como mostra a exposição, que vai do desenho à arte digital. Entre suas obras estão o painel do Museu Geológico da Bahia, mural e calçadões no Largo da Vitória e o do Hospital Roberto Santos.

Muitas obras dele se perderam com o tempo. “Sou o artista baiano com mais obras destruídas na Bahia”, lamenta. De fato, dá para elencar algumas destruições célebres como o Mural do Cine Bahia, a Ambientação do Cine Tupy e os calçadões da Praça da Sé -  destruídos em 24h. Ele lamenta com sinceridade, afinal de contas, se tornar artista e assinar projetos tão importantes é muito difícil. Mais ainda sendo preto e tendo origem pobre.

Juarez diz que a pior das perdas aconteceu em 2000, quando a Igreja Evangélica Renascer em Cristo adquiriu os cines Art I e II, no Politeama, e demoliu a marretadas os painéis do espaço. Já Nascimento de Oxumaré foi pichada com a inscrição “Deus é fiel”. Um mural de 40 metros quadrados para o antigo Cine Bahia, na Rua Carlos Gomes, também foi desfeito pela Igreja Evangélica Universal, condenada a lhe pagar uma indenização de 170 salários mínimos.

[[galeria]]"Foi uma batalha três vezes. Preto, pobre e artista. São três estigmas a se enfrentar, que são duros. Cada caminho desse foi uma saga. Tive ajuda de muitos amigos, pessoas que enxergavam além dos preconceitos. Meu pai era um homem negro, minha mãe branca. Encontraram reconciliação no amor e pautando minha vida na educação. Educar e sempre educar. Para eu conseguir alguma coisa na vida, era pela educação", pontua.  A exposição da EBA tem coordenação-geral do diretor da casa, Paulo Roberto Ferreira Oliveira, com curadoria dos professores Dilson Midlej, Luiz Alberto Freire e Nanci Novais. Luiz Alberto Freire explica que Juarez Paraíso é oriundo da chamada segunda geração de artistas modernos da Bahia, que também foi composta por nomes como Calasans Neto, Sante Scaldaferri e Jenner Augusto.

Sua militância pela Arte Moderna nasceu ainda na faculdade, onde lecionou por 40 anos, até se aposentar em 1996. Depois disso, continuou colaborando de maneira independente. “Ele  foi uma das forças motrizes para a continuidade deste ensino modernista e sua evolução, sem se pautar na cópia, na verossimilhança, mas buscando outras linguagens, inclusive a própria distração, o erotismo de maneira bem latente e de maneira especial na época da ditadura militar, quando o sexo era algo muito reprimido de se falar”, diz Luiz Alberto Freire.

Com uma obra tão vasta e ampla, Freire confessa que foi difícil fazer o trabalho da curadoria. Além do grande recorte temporal, houve limitações físicas e econômicas. “Sabíamos que podia ser ainda melhor, mas a qualidade das obras que trouxemos são enormes, marcantes”, garante. Palacete das Artes (Graça). Abertura quarta-feira (21), às 19h. Visitação  gratuita até 5 de março, de terça a domingo, das 13h às 18h.