'É um pedido de socorro', diz maestro sobre manifestação

Músicos de mais de 100 filarmônicas se apresentaram em frente à Assembleia Legislativa da Bahia, antes de audiência

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  • Laura Fernades

Publicado em 28 de maio de 2019 às 16:11

- Atualizado há um ano

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A presença de músicos de mais de 100 filarmônicas baianas deu um tom diferente à rotina da Assembleia Legislativa da Bahia (ALB), na manhã desta terça-feira (29), quando o extenso grupo causou burburinho no estacionamento e chamou a atenção de curiosos que observavam o desfile pelas janelas e sacadas. Teve até gente que chorou ao assistir à apresentação que, na verdade, ia além do show: era uma manifestação em prol da sobrevivência de todas as filarmônicas do estado.

“Esse evento é um grito, um pedido de socorro. Eu, que estou na ponta ‘carregando o piano’, não estou aguentando o peso. Eu tenho que amarrar instrumento de borrachinha, quando tem problema, e tenho que pegar estante quebrada e mandar dar pingo de solda. Nós precisamos, realmente, de ajuda”, desabafou o maestro Gerry Andrade, 50 anos, que está à frente de filarmônicas espalhadas por seis cidades do interior baiano.

Promovido pelo Movimento das Filarmônicas Unidas na Bahia – criado pelo maestro Fred Dantas e oficializado hoje como entidade defensora das filarmônicas –, o evento buscou chamar a atenção para a audiência pública que aconteceu na Assembleia, logo depois do desfile musical improvisado no estacionamento. Durante a reunião, Fred chamou a atenção das autoridades para a dificuldade enfrentada pela falta de dinheiro.“Não recebemos apoio desde 2011. Nós precisamos comprar instrumentos musicais: teve cidade no sudoeste da Bahia onde 15 alunos abandonaram a filarmônica porque não tinham instrumentos. Tem sedes históricas com problemas sérios de estrutura, tem arquivos musicais com manuscritos do século XIX que estão sendo perdidos por traças, baratas, umidade, por falta de dinheiro. Não temos apoio de nada”, denunciou Fred, que há 36 anos atua com as filarmônicas.Enquanto citava as necessidades de fardamento, higiene e alimentação das cerca de 8 mil crianças e adolescentes atendidas gratuitamente pelas filarmônicas, o maestro disse que o pedido inicial é que o Governo do Estado “dê pelo menos R$ 50 mil reais emergenciais para cada filarmônica poder sobreviver”. “Depois a gente pensa em uma forma de reativar o programa de apoio às filarmônicas do estado”, completou. Maria Regina Miranda, 16 anos, toca na filarmônica da cidade Central (Foto: Marina Silva/CORREIO) Vulnerabilidade A caminho do banco, a administradora Martina Maia, 41 anos, se deparou com a apresentação dos mais de 100 músicos na ALB, que fica perto de sua casa. Emocionada, Martina atendeu o CORREIO com os olhos cheios de lágrimas, mal conseguindo contar por que estava tão tocada pela apresentação. “Não tem como explicar, não”, sorriu. “Isso é muito importante, principalmente em um país que é tão abandonado de tudo”, justificou.

As filarmônicas também causaram impacto nas vidas das estudantes Sende Novaes, 20, Poliana Oliveira, 18, e Maria Regina Miranda, 16, mas de outra forma. As três, que fazem parte das filarmônicas das cidades de São Gabriel e Central, respectivamente, tiveram suas histórias transformadas pela prática musical. “A música fez toda a diferença na minha vida, gerou família além da família de casa”, elogiou Poliana, que toca clarinete há cinco anos na Filarmônica de São Gabriel.

Além do laço afetivo, Poliana lembrou de uma amiga que foi vítima de prostituição infantil e foi resgatada pela instituição. “Ela entrou na filarmônica e a gente conseguiu todo o apoio de psicólogo para sair dessa situação de vulnerabilidade”, revelou.“Viramos uma grande família, uma rede. Não sei o que seria da minha vida se não fosse a música. Onde eu moro tem muita violência, mas muitas crianças são abraçadas pela filarmônica e afastadas dessa vulnerabilidade”, concordou Sende. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Diálogo Convocada pela deputada Fabíola Mansur, presidente da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa da Bahia, a audiência que aconteceu no Auditório Jornalista Jorge Calmon contou, ainda, com a participação da presidente da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), Renata Dias, representante da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA) e do governador Rui Costa. Além dela, o evento contou com nomes como o maestro Roberto Franco, da Filarmônica Minerva Cachoeirana, e o professor Paulo Costa Lima.

Centenárias, as filarmônicas foram apontadas por Fabíola como patrimônio cultural do estado “com ações não só na área de cultura, mas na área educacional e social”.“Nós somos as vozes da população e recebemos um grito legítimo. Há que sensibilizar o governador e os prefeitos, porque é um grito de socorro. É preciso uma política radicalizada de fomento às filarmônicas”, defendeu.Em resposta à manifestação na ALB, Renata Dias ressaltou o quão complexo é o trabalho das filarmônicas e que atender às suas demandas pede uma ação conjunta com a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia.“A gente fala não só de música, mas de educação, de combate à violência e de justiça social. Precisamos dialogar com os demais entes do estado, para encontrar uma solução conjunta”, destacou Renata.A presidente da SecultBA reconheceu, ainda, a necessidade de simplificar a participação das filarmônicas nos editais públicos. “É uma saída”, disse, se comprometendo a dar continuidade a emendas específicas para as filarmônicas.

Questionado sobre uma possível disputa de atenção com o Núcleo de Orquestras Infantis e Juvenis da Bahia (Neojiba), que recebe recursos do governo, o maestro Gerry ponderou. "Acho que a gente não tem que brigar pelo mesmo objetivo. Cada um faz o seu trabalho. O Neojiba tem um trabalho relevante, importante, e não critico ele, mas as filarmônicas também precisam. Hoje, temos um número aproximado de 180 filarmônicas, mas elas estão morrendo", alertou.

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