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Larissa Almeida
Publicado em 25 de novembro de 2025 às 06:00
Nos anos 50, enquanto a maior parte da sociedade brasileira se rendia à Bossa Nova e à popularização da televisão, o público LGBTQIA+ dava os primeiros passos na legitimação da expressão cultural queer. O nascimento de uma estrela trans e a abertura inédita de um teatro para um baile de travestis são dois dos marcos escolhidos pelo escritor Rodrigo Faour para compor o livro A Audácia dos Invertidos, que será lançado nesta quarta (26) como parte da programação do Festival Mínimos Óbvios, em Salvador. >
O evento, que conta com mesas, intervenções e palestras, reúne até sexta (28) artistas e pesquisadores LGBTQIA+ para afirmar a centralidade das narrativas queer na construção de arquivos vivos. Em sua quarta edição, realizada na Casa Rosa, no Rio Vermelho, o Mínimos Óbvios recebe Rodrigo Faour e Aloma Divina, artista trans nascida no Rio, em 1951. A história dela, que é marcada pela fuga de casa aos nove anos e a vida nas ruas até subir aos palcos do Teatro Rival, é contada por ele no livro.>
Segundo Faour, a obra o transformou: “Eu quis fazer um livro em que as próprias pessoas contassem as suas histórias. Posso dizer, sem demagogia, que não sou a mesma pessoa depois de escrever um trabalho como esse. Quando fui entrevistar as mais velhas, descobri uma nova família e vi que minha geração não inventou nada. Essas pessoas já estavam barbarizando nos anos 50 e algumas estão vivas para contar história”. >
Na mesma linha de resgate à memória, a mesa de quinta (27) reúne artistas, diretores, músicos e pesquisadores para tratar dos desafios das narrativas trans no teatro brasileiro. Uma das convidadas de honra é a multiartista Verónica Valenttino, primeira mulher trans a conquistar o Prêmio Shell de Melhor Atriz. >
Veja os participantes do Festival Mínimos Óbvios
Djalma Thürler, professor da Ufba, pesquisador membro do ATeliê voadOR e um dos organizadores do evento, destaca que a curadoria buscou pessoas que não apenas possam falar sobre a experiência queer, mas também produzi-la. >
“O festival questiona as narrativas dominantes, que ainda tratam o corpo queer como exceção, risco ou exotismo. Fazemos isso propondo trabalhos que desmontam o olhar heteronormativos como regra. O resultado é um panorama onde a marginalidade deixa de ser marca e passa a ser potência inventiva”, pontua. >
Para a diretora de teatro e ópera Ines Bushatsky, que integra a programação do segundo dia, o Mínimos Óbvios vai além: “São nessas ocasiões que podemos compreender o quanto avançamos e planejar, de forma estratégica, os próximos passos e o que desejamos para o futuro”. >
O último dia de evento contará com mesa performativa e palestra. A primeira atividade vai abordar, por meio da vivência dos artistas convidados, as práticas que atravessam autobiografia, afetos e intimidade. Já a segunda terá uma reflexão sobre masculinidades e pedagogias queer na América Latina. >
Para Leandro Colling, professor da Ufba, pesquisador de diversidade sexual e de gênero e um dos organizadores do evento, a visibilidade da pesquisa artística dada pelo festival nasce da importância dessas expressões para o público LGBTQIA+. “Quando falamos com as pessoas ao nosso redor, quase sempre aparece o depoimento sobre como foi importante o campo das artes para sua própria aceitação, seja um filme, uma música, um livro”, diz. >
“As nossas pesquisas colaboram nesse sentido ao evidenciar como as artes são importantes não só para os processos de afirmação das pessoas LGBTQIA+, mas também como elas produzem outros processos de subjetivação para qualquer pessoa, ou seja, como elas produzem outras emoções, sentimentos e formas gerais de se estar e compreender o mundo”, completa. >
Para encerrar o Mínimos Óbvios, a festa Carnavalização vai surpreender o público com performances pop-up, ritos coletivos, manifestos e obras com o intuito de ocupar toda a Casa Rosa com apresentações de artistas, cantores e drags. A condução é da dupla Duda Woyda e Talis Castro, integrantes da ATeliê VoadOR, que orquestram uma noite atravessada pela potência dos corpos dissidentes em festa. >