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Carmen Vasconcelos
Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 06:00
Na cozinha de Cris Une, cada prato é mais do que alimento: é memória, coragem e continuidade. Aos 44 anos, a cozinheira e empreendedora celebra o encerramento de um ciclo marcante — os oito anos da Casa Castanho — e inaugura um novo capítulo com o UNE Cozinha, no coração do Rio Vermelho. A mudança, porém, não é apenas sobre negócios: é sobre identidade, ancestralidade e o caminho que tantas mulheres abrem, todos os dias, para existir no tamanho que desejam. >
Quando olha para trás e enxerga a trajetória da Casa Castanho, Cris sente, antes de tudo, gratidão. Empreender, diz ela, é árduo, exaustivo, cheio de persistência — mas profundamente recompensador. “O que fica são as trocas, as histórias vividas, as pessoas que acreditaram nesse sonho”, conta. O orgulho é imenso, assim como a sensação de dever cumprido. >
A memória desse ciclo cabe inteira numa cena simples: o primeiro combo de café da manhã. Cabe também no cheiro de waffle de pão de queijo, rabanada e café coado; na primeira fila de espera, símbolo de um projeto que conquistou Salvador pelo afeto — antes mesmo do sabor. >
Mas a inquietude, essa companheira constante das mulheres que sonham grande, começou a pedir passagem. Como cozinheira e empreendedora, Cris sentia vontade de experimentar mais, misturar mais, criar sem amarras. Assim nasceu o UNE Cozinha: um espaço vivo, mutável, que trocará o cardápio a cada três meses e celebrará a liberdade criativa que a Casa Castanho já não comportava. >
A coragem de encerrar um negócio consolidado veio da maturidade — e da auto confiança conquistada ao longo dos anos. “Eu queria criar para além desse projeto, sem barreiras. Entendi a hora certa de sair e de me permitir estar onde eu possa ser do tamanho que eu queira”, diz. >
Nessa travessia, Cris carrega as avós — uma brasileira, outra japonesa — que lhe ensinaram que cozinhar é, antes de tudo, um gesto de amor e cuidado. Com elas, aprendeu que alimento cura, preenche e conecta. Aprendeu também a se orgulhar de suas raízes: é a única neta a retornar ao Nordeste, homenageando a memória sergipana do avô e todas as histórias que a moldaram. >
Abrir o novo projeto no Rio Vermelho, bairro que descreve como sua casa, é quase uma continuação natural da própria vida. “Eu sofro de apaixonamento por esse bairro. Não imaginaria construir esse projeto em outro lugar”. É ali que seu trabalho, sua história e sua identidade se encontram. >
Nem tudo foi fácil. O momento emocionalmente mais desafiador veio na pandemia, um mês e meio após inaugurar a unidade da Casa Castanho. Cris viu planos desmoronarem, expectativas se quebrarem — mas reagiu. Inventou um delivery próprio, insistiu, resistiu, reabriu. “Foi um período de muitas incertezas. Mas sobrevivemos”, rememora >
Hoje, transformada por oito anos de aprendizados, ela reconhece o valor de sua própria trajetória. Reconhece que cresceu, amadureceu, se descobriu empreendedora , sobretudo, entende sua missão nessa cidade em que tantas mulheres ainda encontram portas estreitas demais. >
Por isso, deixa um recado direto para quem sonha empreender, mas carrega medo, dúvida ou culpa — sentimentos tão comuns entre mulheres que ousam ocupar espaços: “Coragem. Muita coragem. Acreditem que a gente pode e deve ocupar todos os lugares. Busquem pessoas alinhadas com sua forma de gerir, aprendam o que for preciso e joguem duro. Salvador precisa de mais mulheres empreendendo — e eu estou aqui para contar minha história a quem quiser ouvir”.>
Num tempo em que o empreendedorismo feminino ainda enfrenta barreiras enormes, a história de Cris Une é homenagem e convocação. É o lembrete de que, quando uma mulher abre caminhos — seja na cozinha, na rua, no escritório ou na arte — ela não caminha só. Ela carrega seu passado, transforma o presente e empurra o futuro para frente. E faz isso, como Cris, com a força de quem entende que sonho, trabalho e afeto podem, sim, dividir a mesma panela.>