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Carmen Vasconcelos
Publicado em 1 de setembro de 2025 às 06:00
Filha de Gilberto Gil, a cantora Preta Gil faleceu em julho de 2025 e deixou um legado musical empresarial e afetivo. Com um patrimônio estimado em R$ 30 milhões, a artista era sócia da agência Mynd, tinha direitos autorais sobre várias obras e era referência como influenciadora e empreendedora. No caso da família de Preta, há um único herdeiro: o filho e também cantor e músico Francisco Gil então, a princípio, ele herdará a totalidade do patrimônio da artista. >
Qualquer que seja o ramo de negócios, a sucessão é uma questão que exige atenção técnica e planejamento. É o que explica Simone Neri, advogada especialista em planejamento patrimonial e sucessório, professora e sócia da Costa & Silva Advogados Associados. >
“Falar sobre morte ainda é tabu, mas planejar a vida após ela é um ato de responsabilidade. O testamento, contrato social com cláusula sucessória, pactos sociais, protocolos de governança e até mesmo a gestão dos bens digitais são ferramentas poderosas para garantir que o legado – afetivo, moral e financeiro – de uma pessoa seja respeitado”, explica. >
A advogada reforça que a sucessão segue a seguinte ordem: descendentes (filhos, netos, bisnetos), em concorrência com o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente; ascendentes (pais, avós, bisavós), na falta de descendentes, também em concorrência; cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, se não houver descendentes ou ascendentes e colaterais (irmãos, tios, sobrinhos), na ausência de todos os anteriores. “Olhando para a relação empresarial, a depender das cláusulas previstas no contrato social ou outros pactos, a empresa poderá optar por indenizar o herdeiro com base no valor das cotas de Preta Gil, por exemplo, sem que ele assuma um papel ativo na gestão do negócio”, esclarece. >
Contratos>
No caso de Preta Gil, que era sócia da empresa, qualquer partilha dependerá do que foi contratado entre os sócios para saber se há previsão clara e específica de cessão dos direitos autorais da artista para a empresa. “Isso porque a legislação brasileira diferencia a propriedade das obras que são criadas conforme o vínculo do criador com a empresa contratante. Se houver cessão de direitos autorais à empresa, aos herdeiros ficam apenas a participação societária da artista”, ressalta a especialista. >
Segundo ela, se não houver, eles herdam os direitos autorais e a participação societária. Quanto se deixa cônjuge/companheiro(a), a meação ou herança deste sempre vai depender do regime de bens que regeu o casamento/união estável, se há pacto antenupcial, contrato familiar ou testamento. >
Quando familiares, inclusive de mais de uma geração, trabalham na mesma empresa, a governança corporativa tem uma interdependência entre as esferas familiar, patrimonial-societária e empresarial. Isso porque a empresa é, muitas vezes, o maior ativo patrimonial da família. “Não é raro que situações particulares dos sócios, como divórcios, falecimentos, conflitos entre herdeiros, gerem crise na gestão da empresa, rompimento da sociedade e até a dilapidação do patrimônio construído ao longo de gerações”, diz a advogada, reforçando que, nesses casos, o planejamento sucessório oferece uma série de ferramentas, como cláusulas específicas no contrato social, acordo de sócios, protocolo familiar, testamentos que podem ser utilizados para justamente evitar ou minimizar os riscos. >
Ferramentas >
A professora Simone Neri explica que o Acordo de Sócios é um contrato, feito em paralelo ao contrato social, que contém regras claras, detalhadas e objetivas sobre o exercício de deveres e direitos entre os sócios e destes para com a sociedade, visando a proteção da empresa como ativo patrimonial da família; estabelecendo regras referentes a compra e venda das quotas sociais, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto ou do poder de controle, além de garantir que eventos pessoais dos sócios, a exemplo de divórcio, falecimento, conflito de gerações, venda de ativos, etc., não afetem a empresa . >
Já o Protocolo Familiar é um documento voltado a todos os membros da família, sócios ou não, mas que possuem algum tipo de vínculo com a sociedade empresária, que abrange não apenas aspectos societários, mas também questões sensíveis do relacionamento familiar, definindo os princípios e valores importantes da família; o registro da memória da família; estruturas de governança familiar como Conselho de Família; estilos de vida dos familiares; regimes de bens de casamento a serem adotado pelos familiares; preparação das novas gerações; gerenciamento de conflitos; definição de critérios de quem pode trabalhar na empresa, remuneração dos familiares que trabalham na empresa; o uso de bens e serviços da empresa; a distribuição de dividendos/lucros; quem pode se tornar sócio; sugerir cláusulas a serem colocadas nos documentos societários das próprias empresas e também para os casos em que os membros da família empreendam em negócios particulares e não coloquem em risco o patrimônio da família. >
“A família empresária precisa ter muito claro que família é afeto, empresa é gestão. E quando esses dois valores se misturam sem regras, o risco atinge o patrimônio, a empresa e a própria relação familiar trazendo prejuízos a todos”. >
Bens simbólicos >
Ela também chama a atenção para um ponto importante, que quase nunca é lembrado pelos leigos que desejam fazer um testamento, por exemplo: “Outro aspecto importante é a herança de bens imateriais como perfil em redes sociais, contratos de imagem, direitos autorais e obras digitais são ativos de alto valor econômico e simbólico e que também deverão entrar no seu inventário e que pode ser um complicador numa sucessão sem planejamento porque a avaliação desses bens exige um preparo técnico diferenciado e que poderá levar o herdeiro a situações complexas com o fisco”, orienta. >
Por fim, a advogada diz que, se há algo que o caso de Preta Gil ensina, é que ninguém está imune à complexidade da partilha – seja anônimo ou famoso. “O planejamento sucessório não é apenas um ato jurídico: é um gesto de cuidado com os que ficam, de respeito aos próprios desejos e de organização para evitar disputas e desgastes emocionais”, finaliza . >