Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Carmen Vasconcelos
Publicado em 13 de outubro de 2025 às 06:00
A proposta de uma semana de quatro dias de trabalho, tema que avança em debates internacionais e já começa a ganhar corpo no Brasil com a PEC 8/2025, tem despertado tanto entusiasmo quanto cautela. A ideia promete equilibrar produtividade e bem-estar, mas também levanta dúvidas sobre a viabilidade nos diferentes setores da economia. >
Enquanto países como Reino Unido, Islândia e Portugal já testaram o modelo com resultados positivos, o Brasil ainda tateia o assunto, tentando entender se o novo formato é apenas um privilégio de empresas de tecnologia ou um caminho possível para todos. >
Para a professora de Direito e especialista em relações trabalhistas Gabriela Curi Gaspar, da Unijorge, a adoção da semana de quatro dias pode representar “uma mudança profunda nas relações laborais brasileiras”, trazendo ganhos para empresas e trabalhadores — desde que implementada com planejamento e diálogo. >
Do lado dos trabalhadores, os benefícios mais evidentes seriam a melhoria na qualidade de vida, o aumento da produtividade individual e a redução do adoecimento ocupacional. “Estudos mostram que profissionais mais descansados e satisfeitos produzem mais em menos tempo. Jornadas mais curtas estão associadas à diminuição de casos de burnout e estresse”, explica Gabriela. >
As empresas, por sua vez, podem colher resultados igualmente positivos: maior engajamento, retenção de talentos, redução do absenteísmo e melhoria da imagem institucional. >
“Organizações que adotam práticas inovadoras de gestão do tempo se tornam mais atraentes e competitivas. No entanto, é preciso rever modelos de produtividade e remuneração, adaptando a realidade de cada setor”, completa a especialista. >
Promessa e risco >
Apesar dos ganhos potenciais, Gabriela Gaspar alerta que o novo formato não está livre de armadilhas. “Há risco de aumento do estresse se a carga de trabalho não for ajustada junto com a redução da jornada. Caso o volume de tarefas permaneça igual, o resultado será mais pressão e menor qualidade de vida — o oposto do que se busca.” >
Com mais de uma década de atuação em Recursos Humanos, especialista em psicologia organizacional, a assistente social Mônica Cirne compartilha percepção semelhante a partir da prática. “Trabalho com equipes na construção civil, onde produtividade é palavra-chave. Há quem veja a semana de quatro dias como inviável, mas acredito que reduzir a carga seria muito bem aceito. As pessoas teriam mais prazer em produzir, menos desgaste físico e mental”, acredita.>
Mônica destaca que o sucesso do modelo depende de gestão eficiente do tempo e definição de prioridades. “Seria preciso delegar e planejar melhor, para não acumular tarefas impossíveis de cumprir. É uma questão de cultura e disciplina”, observa a assistente social. >
CLT x Modernização>
Um dos pontos mais debatidos é o enquadramento jurídico da proposta. A legislação brasileira, regida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), não proíbe jornadas menores — desde que os limites constitucionais sejam respeitados e que não haja prejuízo ao trabalhador. >
“A CLT permite acordos individuais ou coletivos que ajustem a jornada, contanto que se mantenham salários e benefícios”, explica Mônica Cirne. “Hoje, não há lei específica que regulamente a semana de quatro dias, mas há projetos tramitando no Senado, como o PL 1.105/23, que propõe a redução da jornada semanal de forma facultativa”, esclarece. >
Para o advogado Breno Novelli, especialista em Direito do Trabalho e integrante da OAB/BA, a mudança exigirá ajustes legais e culturais. “A CLT estabelece oito horas diárias e 44 semanais, mas já admite compensações. Para que a jornada de quatro dias seja obrigatória e padronizada, seria necessário alterar a legislação, definindo novos limites semanais e diários”, esclarece o advogado. >
Ele ressalta que o modelo, se implementado sem preparo, pode gerar sobrecarga. “Com menos dias de expediente, pode haver aumento das jornadas diárias para compensar o tempo, o que eleva o estresse. O equilíbrio só será alcançado se houver reorganização das tarefas e investimento em produtividade”, defende o advogado. >
Produtividade>
Para Novelli, a questão central não é a duração da jornada, mas a eficiência no tempo trabalhado. Ele cita dados da Conference Board que indicam que a produtividade do trabalhador brasileiro é de apenas 25,6% da norte-americana — ou seja, um brasileiro leva uma hora para realizar o que um americano faz em 15 minutos. >
“O estudo do IBRE/FGV mostrou que, entre 2019 e 2024, o aumento médio da produtividade no país foi de apenas 0,28% ao ano. Isso significa que, sem investimento em capacitação, tecnologia e automação, a jornada reduzida pode se tornar insustentável”, avalia.>
Nesse cenário, ele defende o uso estratégico de ferramentas digitais e inteligência artificial para otimizar processos. “A redução da jornada deve vir acompanhada de transformação tecnológica e cultural. Só assim, o país poderá avançar para uma economia mais eficiente e humana”, finaliza. >