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Thais Borges
Publicado em 11 de agosto de 2024 às 05:00
Kamala Harris é brat. Nos Estados Unidos, a candidata democrata à presidência chamou atenção pelos memes. Lá, a atual vice-presidente, que andava em baixa com a popularidade, deu a volta por cima ao ser chamada de ‘brat’ pela cantora pop britânica Charli XCX, em alusão ao álbum de mesmo nome. >
Ainda que seja um meme, ‘brat’ virou sinônimo de garotas rebeldes e empoderadas e a campanha de Kamala abraçou a ideia. O exemplo é só um entre uma corrida de tentativas para alcançar a chamada Geração Z - ou ‘gen z’, como também costuma ser citada. A faixa compreende nascidos entre a segunda metade da década de 1990 (alguns autores defendem especificamente 1997) e 2012. >
“A geração Z tem um peso extremamente relevante não só em campanhas digitais, mas principalmente em municípios onde a gente observa que tem uma fatia do eleitorado um pouco mais jovem”, diz a estrategista e consultora política Cláudia Guimarães, professora de Mobilização do MBA do IDP/Brasília. >
Esse movimento ocorre no contexto de crescimento do número de eleitores com idades entre 16 e 17 anos. Só em Salvador, esse público, que tem voto facultativo, cresceu 105% em quatro anos, indo de 4,1 mil para 8,4 mil. Na Bahia, foi de 126,6 mil em 2020 para 193,3 mil agora - um aumento de 52%. >
“Essa parcela da população se tornou alvo da cobiça dos políticos, porque teve um aumento expressivo em relação à última eleição”, afirma o estrategista Gilson Fernandes, que atua como consultor e gestor de campanhas. “A chama do interesse político acaba surgindo nesses nichos, impulsionados pela digitalização da política a partir de 2018, com (Jair) Bolsonaro. Ele conseguiu fazer com que se entrasse no ringue das redes sociais. E é nesse ringue que a geração Z vive”, pontua.>
Foi a partir de um trecho da canção You’re On Your Own, Kid, da cantora americana Taylor Swift, que o fandom da maior popstar da atualidade criou o hábito de fazer e trocar pulseiras da amizade - em especial, durante os shows da The Eras Tour, que passou pelo Brasil em novembro. >
Se para fãs de Taylor, as pulseiras são obrigatórias, para o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), candidato à prefeitura de São Paulo, foi uma oportunidade. Justamente durante o evento que oficializou sua candidatura, no mês passado, Boulos entregou os braceletes a apoiadores como o presidente Lula (PT) e a primeira-dama Janja Silva. Nas redes, o vídeo do momento em que os políticos colocam a pulseira veio embalado pela canção de Taylor. Só no Tiktok, foram mais de 213 mil visualizações. >
A ligação com os fandoms já é considerada um recurso da comunicação política, como lembra o pesquisador Arthur Ituassu, professor de Comunicação Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade do Arizona. A própria Taylor Swift, antes das pulseiras da amizade, já tinha se tornado um ativo importante ao apoiar abertamente o então candidato Joe Biden, em 2020. >
As estratégias digitais com foco na geração Z são resultado das transformações do ambiente midiático. “Antes, você tinha que ter a mesma mensagem para todo mundo no rádio e na TV. Era a comunicação de massa. Mas a gente saiu de um sistema moderno para um sistema híbrido de mídia”. >
Ao contrário da lógica do broadcast, no sistema híbrido, é possível ter mensagens específicas para grupos específicos. “Se eu sei o que esse grupo tem por mais importante, se eu sei o posicionamento, consigo canalizar o que é mais importante para esse público específico. Isso de escolher públicos etários já está aí em todas as campanhas”, diz ele, citando o exemplo das eleições da Argentina. >
No Brasil, o Instagram tem uma importância grande e o Facebook ainda tem seu espaço. Mas o TikTok tem despontado como um novo espaço para a política. “Mas hoje em dia você fica com o pé em cada uma das plataformas. Barack Obama tinha o lema: ‘Obama everywhere’, porque ele estava em 8, 9, 10 mídias sociais ao mesmo tempo”.>
Só que esse novo ambiente não deixa de ter consequências também preocupantes, a exemplo da disseminação de fake news e da radicalização da política. “No Brasil, você também vê um contexto de polarização da mídia digital, que a gente chama de radicalização, dos dois lados. Dentro do ambiente digital, a esquerda ficou mais identitária e a direita ficou mais antiliberal”. >
As primeiras campanhas digitais no Brasil começaram em 2010, como lembra a estrategista e consultora política Cláudia Guimarães. Em 2024, será a segunda vez em que será permitido impulsionar campanhas nas plataformas. “Cada vez mais, a Justiça eleitoral vem entendendo a importância também dos canais digitais, lógico que com a devida regulação”, pontua. >
Segundo ela, nem sempre a geração Z está tão conectada à pauta política como outras faixas etárias. Por isso, tanto a digitalização das campanhas quanto o tom de entretenimento que aparece, por vezes, se relacionam com esse engajamento menor. “Chegou-se a um ponto em que é preciso chamar atenção dessa geração para pautas políticas”. >
Ela destaca que, em geral, brasileiros usam a internet para se informar e se entreter. Nas redes sociais, o tom de entretenimento fala mais alto. “E entretenimento não é necessariamente meme. Tem vários conteúdos e existe uma diferenciação do que é melhor de acordo com cada plataforma”. >
Outros políticos que despontam como bons comunicadores nas plataformas são João Campos (PSB), que concorre à reeleição em Recife, e Eduardo Paes (PSD), que tenta se reeleger no Rio de Janeiro. Mas nem tudo que funciona para um pode ser efetivo para outro. >
O estrategista político Gilson Fernandes lembra que é tênue a linha entre viralizar e ser motivo de chacota. Além disso, tem que fazer sentido para o público da pessoa. “Muitos atores não entenderam isso. Os que entenderam estão nadando de braçada”.>
Foi assim que surgiram os políticos influencers - aqueles que souberam aproveitar as boas ondas e influenciar jovens a se interessar por política. No entanto, o digital não substitui todas as ações ‘offline’. “O político que só aposta no digital e não vai para a rua conversar com as pessoas conta ponto negativo. A geração Z talvez seja a que vai ser mais conquistada pelo digital, mas a pessoa não vai se eleger só com a geração Z”.>