Rivalidade cívica à moda baiana, com gozação e paz

Eleitores mostraram sua preferência nas ruas, sem violência e com respeito

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  • Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2022 às 05:01

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Um debate acalorado, mas amistoso. Afinal, o que ele gritou? Um carro tinha acabado de passar na seção de votação no Bahia British Club, proliferando um grito com um certo ruído. "Com certeza foi ‘fora, Bolsonaro!’", disse dona Eliane, que portava adesivos do PT. "Não, minha senhora. Foi ‘bora, Bolsonaro’. Certeza". E assim bolsonaristas e petistas matavam o tempo na longa fila formada no local, debaixo de um sol que queimava o juízo, mas não tirava o espírito pacífico dos baianos. Uma rivalidade cívica que lembrou os tempos dos Ba-Vis de torcida mista e sem briga.

Adeptos de Bolsonaro de amarelo, Lulistas de vermelho. O que parecia um dia de receios, acabou sendo uma demonstração de apoio aos seus respectivos candidatos. “A maior bobagem do mundo ter medo de mostrar seu apoio. Lá em casa, eu sou Bolsonaro, mas minha mulher e filhos são Lula. Depois daqui, vamos almoçar, eu sde amarelo, eles de vermelho. Claro, terá gozação, mas não passa disso”, garantiu seu Carlos, de 63 anos. “Mandei eles votarem em outro horário. Tudo tem limite, né”, brincou.

Na Barra, dois casais são amigos há 40 anos. Cavalcante e Regina são bolsonaristas e estavam com suas respectivas camisas da seleção brasileira. Já Lucinha e Léo estampavam o vermelho com o rosto de Lula. Todos votaram juntos e seguiram até o Shopping Barra para tomarem um chopp. Cavalcante era o mais desconfiado. “Não quero papo, essa coisa de oba oba. Bolsonaro vai ganhar no primeiro turno, mas confesso que vi muita gente de vermelho”, disse Cavalcante, enquanto o amigo Leo tentava abraçá-lo para uma foto. “Me solte! Deus me livre tirar foto com você vestido assim”, disse Cavalcante. “Ele já está nervoso. O São Paulo dele perdeu ontem e hoje ele vai tomar outra porradinha”, denuncia Léo, que acabou tirando foto com a amiga e a esposa. “Eu sou bolsonarista, mas meu marido exagera”, brinca Regina.  Amigos há 40 anos votaram juntos e até tomaram um chopp no shopping (Foto: Moysés Suzart / CORREIO) Já o médico André Souza tem motivos para se preocupar com a vitória de seu candidato. O homem não consegue fugir de uma aposta. Um amigo bolsonarista quis apostar, ele aceitou. Outro primo rival chamou, ele casou. Resultado: 50 caixas de cerveja apostadas para quem vencer a presidência da república. São 600 latinhas em jogo. “Ou eu tenho um coma alcoólico, ou vou ter um prejuízo grande. Mas estou confiante, pelo que vi aqui na rua, está todo mundo de vermelho. Amanhã, as primeiras cinco latinhas são para eu tomar banho. Ainda teve um doido que apostou comigo que a diferença de porcentagem entre os dois candidatos aumenta-se nas latinhas.  Tenho cerveja até o fim do ano”, garantiu. 

Em cada seção eleitoral, o clima foi de paz. Em pontos turísticos, como Farol da Barra e Rio Vermelho, camisas do Brasil e vermelhos bebiam juntos nos bares, sem grandes problemas. Nas redes sociais, os memes ditavam as conversas de Whatsapp. Os irmãos David e Fernanda Rocha trocavam figurinhas e memes no grupo da família. “Não quero nem ver esse sacana hoje. Mas, depois da apuração, acho melhor desligar o celular, vou sacanear ele a noite toda”, disse a irmã. “Essa maluca vai chorar a noite toda”, brincou David. Foto: Marina Silva/ CORREIO Sem comprovação de veracidade, uma suposta conversa viralizou. Um bolsonarista teria gritado na fila “É 22, É 22”. Outro eleitor, supostamente do PT, afirmou que 22 (cm) era o tamanho do seu órgão genital, o que causou alvoroço nos mais assanhados da fila. Se foi verdade mesmo, talvez nunca saberemos. Mas demonstrou como foi tranquilo (e irônico) o dia de votação em Salvador.

Na rua Belo Horizonte, na Barra, um grupo de amigos fez um churrascão no passeio do bairro após a eleição. Entre eles, bolsonaristas e lulistas curtiam, gritavam e se divertiam. “Cara, temos que parar com isso de violência. Somos livres para votarmos em quem quiser, mas isso não pode tirar a amizade de ninguém. A gente tem que levar como uma final entre Bahia e Vitória. Vai ter a gozação,  mas vamos beber juntos”, disse Luis, bolsonarista, mas que não abre mão dos amigos. Grupo de amigos fez um churrascão no passeio do bairro após a votação (Foto: Moysés Suzart / CORREIO) Enquanto Luís falava, um carro branco com a bandeira do Brasil e plotado de Bolsonaro passou buzinando. Os lulistas gritaram, um deles chegou a mostrar o saco, até que a bandeirinha do veículo caiu no chão. Tensão? De forma alguma. O próprio petista do gesto obsceno pegou a bandeirinha, limpou, se aproximou do carro e entregou ao motorista. Ambos se cumprimentaram, a vida seguiu. A Bahia, de fato, é outro nível.