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De Cajazeiras para o mundo: hoje na bancada da ESPN Brasil, Elton Serra vendeu geladinho na infância e já foi office boy

A trajetória de Elton Serra, da periferia de Salvador ao topo do jornalismo esportivo

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Varela
  • Fernanda Varela

Publicado em 20 de novembro de 2025 às 05:00

Hoje, Elton se divide entre Salvador e São Paulo
Hoje, Elton se divide entre Salvador e São Paulo Crédito: Fernanda Varela/CORREIO

Quem gosta de futebol e costuma acompanhar os programas esportivos já ouviu falar nele. Cria de Cajazeiras, o jornalista Elton Serra se consolidou como um dos maiores nomes do comentário esportivo nacional. Hoje, na ESPN Brasil, ele ocupa a bancada do SportsCenter, um dos maiores jornais esportivos do país, em horário nobre, mas nem sempre foi assim.

Apaixonado por futebol desde pequeno, Elton teve sua primeira vivência como comentarista aos 9 anos. Ele inventava campeonatos no jogo de botão, com direito a arquibancada de madeira construída por um vizinho e lotada de “torcedores”, tampinhas de garrafa. Narrava as partidas que criava e escrevia cadernos com observações sobre futebol.

De vendedor de geladinho a office boy

Mas nem sempre dava tempo de brincar. Nascido em Salvador, com raízes familiares em Santo Amaro, aprendeu cedo que era preciso se virar para abrir portas que pareciam fechadas. "A gente não tinha uma vida de excessos, de luxo. Com 12 anos eu comecei a não exatamente trabalhar formalmente, mas ajudar em casa. Meu pai trabalhava com serigrafia, eu ajudava. Minha mãe fazia geladinho, eu botava no isopor e ia vender de porta em porta".

Pouco depois, veio o primeiro trabalho fora da sua bolha. A primeira experiência foi no Banco do Nordeste, aos 16 anos, onde ficou de 1998 a 2003, ganhando cerca de R$ 300 em uma jornada de 8 horas. Lá, fez estágio e, depois, trabalhou como office boy e digitador. Em seguida, foi escriturário e caixa no Bradesco. Foram anos de rotina pesada, conciliando expediente longo com estudo, até que decidiu entrar na faculdade de Administração e buscar melhores oportunidades.

Elton (em pé, o terceiro da esquerda para a direita) com os amigos durante o torneio de futebol na infância por Acervo Pessoal

Da administração ao jornalismo

A transição para a comunicação veio de forma inesperada, aos poucos e com coragem. Já com o olhar empreendedor aguçado, lançou com o irmão um site dedicado ao futebol baiano, ocupando uma lacuna de cobertura local no começo dos anos 2000. O futebolbaiano.net se tornou referência e também vitrine para quem começou a notar sua escrita e conhecimento.

"Quando saí do Bradesco, eu estava no último semestre de Administração e decidi que queria ter meu próprio negócio. Meu irmão trabalha com web design, aí em 2006 poucas empresas tinham site. A gente começou a fazer sites para empresas e condomínios. Mapeando o mercado, percebi que não tinha site de esporte na Bahia. Aí falei com meu irmão e resolvemos fazer o projeto do futebolbaiano.net”, lembra.

“Quando percebi que não havia site de futebol na Bahia, não fui pensando porque eu gostava de futebol, fui pensando com olhar de empreendedor. A gente queria vender o site para empresas de comunicação. Ninguém quis. Aí falei com meu irmão, isso aqui é uma oportunidade. Ele montou a estrutura e eu ficava escrevendo. O site virou referência entre 2006 e 2010”, disse Elton, que decidiu então estudar jornalismo.

A partir daí, seu nome ficou conhecido na imprensa baiana e ele iniciou sua caminhada no rádio. "Aí em 2008 surgiu a equipe Gol da Transamérica. Marcelo Sant’Anna me convidou e eu resisti muito. Ele queria que eu fosse repórter, mas eu disse, nem f*dendo, mas depois aceitei", conta aos risos. "Mas eu não queria rádio, não queria jornalismo. Meu sonho era ser empreendedor", revela.

"Com menos de um ano virei comentarista. Marcus Pimenta, que era o dono da equipe, me colocou para comentar um jogo porque faltou gente. Darino Sena, que é muito amigo dele, ouviu e disse, você encontrou o comentarista. A partir dali virei o quarto comentarista da equipe, até porque tinha Emerson Ferretti, Preto Casagrande e Sinval Vieira no time", explica ele. Depois disso, passou pelas rádios Transamérica e Tudo FM.

Elton na época da Equipe Gol, com Emerson Ferretti e Marcelo Sant'Ana por Acervo Pessoal

Do intermunicipal à Copa do Mundo

Em 2012, foi convidado para a CBN Salvador, onde ficou até 2016 e viveu um período de realização profissional. “Rádio de notícia era mais meu perfil. Eu me sentia muito deslocado, porque a maioria das rádios esportivas tem outro perfil, mais agitado, e eu sempre fui mais ponderado. Lá eu me encontrei. Só saí porque a rádio acabou”, revela. 

Nesse intervalo, em 2014, ele lançou o livro Década de Ouro, obra em que reconstrói a história do heptacampeonato do Esporte Clube Bahia com base em depoimentos de jogadores e personagens que viveram aquela fase marcante do futebol baiano. "Minha paixão sempre foi escrever, sempre tive essa vontade de fazer um livro e encontrei no hepta do Bahia um tema que merecia ser contado", explica.

Em 2017, outra virada na carreira. Elton, que sempre disse que é discreto e não curte aparecer, entrou na televisão. Recebeu um convite da TVE, onde ficou por cinco anos. “Foi minha grande escola de televisão. Aprendi tudo lá: reportagem, edição, apresentação, comentar jogo. Fiz basquete, fiz futebol feminino, amador, Baianão. Eu brinco que sou a única pessoa que eu conheço que já comentou intermunicipal e Copa do Mundo”, brinca.

Logo após lançar o futebolbaiano.net, Elton começou a participar como convidado de programas esportivos, como o Cartão Verde, da TVE por Acervo Pessoal

A relação com a ESPN Brasil, que pertence ao grupo Disney, foi gradual, com participações desde 2015 e contrato firmado a partir de 2020. A entrada definitiva representou a realização de um sonho e ampliou a responsabilidade de representar a Bahia e o Nordeste em um espaço midiático nacional.

Na pandemia, enquanto o mundo desacelerava, a carreira de Elton acelerou. “Trabalhar na ESPN é um sonho diário. Em 2021 comecei a dividir o SportCenter última edição com Antero Greco. Depois da morte dele, continuei ao lado de Edu. Eu jamais imaginei estar sentado ali, é surreal. Formamos uma ótima dupla, mas eu não sou o novo Antero Greco, ele é insubstituível. Cada um tem sua história, e a dele sempre será muito respeitada por mim".

Edu Elias e Elton Serra por Acervo Pessoal

Racismo e representatividade

Desde menino, Elton sempre se permitiu sonhar. Pensou em estudar História, Administração, ter empresa própria. Ainda hoje, mesmo com tantas realizações, ainda sonha. Geralmente em silêncio, com fones de ouvido e olhando para o céu. “Eu tenho sonhos, claro. Profissionalmente, quero algum dia cobrir uma Copa do Mundo in loco, mas o meu maior sonho mesmo é ampliar a representatividade negra no jornalismo nacional”.

Ele explica: “Enfrentei preconceito no rádio, onde diziam que eu não tinha traquejo. Na TV, diziam que eu não tinha perfil. Traduzindo, eu não era branco. No começo da ESPN senti rejeição, não da equipe, que sempre foi maravilhosa, mas de parte do público, por causa do sotaque. Era um combo, né? Nordestino, preto. E eu nunca neutralizei sotaque. Quando conversei com a fono da ESPN, eu disse, faça qualquer coisa comigo, só não tire o meu sotaque. E ela disse que ali isso não seria feito”.

A presença de Elton no jornalismo também tem propósito. “Sobre representatividade, eu me vejo nas ruas de Salvador, mas isso não se reflete na nossa profissão. Tento ser engajado, ajudar outros jornalistas negros, abrir portas, ser ponte. Foi na CBN que percebi que algumas outras portas não se abriam para mim, apesar do mérito, por eu não ter o perfil estético. A partir dali virei essa chave.” E sintetiza sua postura. “Eu não reproduzo comentários, eu interpreto a sociedade. Coloco minha visão.”

Cria da Fonte Nova e torcedor do Bahia

Se tem uma coisa que Elton sempre teve, foi coragem. E foi com ela que pegou a contramão da maior parte dos comentaristas do país e assumiu ao vivo o time para o qual sempre torceu. “Eu falei pela primeira vez o time que eu torcia no dia 13 de outubro de 2008, que foi o primeiro dia da equipe Gol Transamérica. Na época, me perguntaram no ar, achando que eu ia falar Colo Colo, Ypiranga, Galícia. E eu disse, não, sou Bahia. Isso criou um susto em todo mundo”, diz ele, que desde criança frequentava a Fonte Nova para assistiu aos jogos do tricolor.

Segundo Elton, a decisão de assumir publicamente o seu time veio da necessidade de transparência. “Eu falei porque acho que, sendo transparente com quem está me ouvindo, tiro um peso muito grande das minhas costas. Por mais que as pessoas achem que você está falando com o coração, quando você vem com conteúdo, isso fica em segundo plano.”

O comentarista diz que nunca encarou a revelação como problema, mesmo com críticas pontuais nas redes sociais. “Sempre tem alguém que fala, ah, fala isso porque é Bahia. Mas eu desconsidero, porque no fim das contas eu sei que dou peso para os dois lados.”

Hoje, em rede nacional, sente ainda mais liberdade para manter essa postura. “Trabalhando numa TV nacional, fica muito mais fácil falar, porque eu sou minoria num ambiente em que as outras torcidas são maiores. Tem mais torcedores de outros times que não os do Nordeste do que o contrário.”

Para ele, assumir sua torcida não é gesto de afastamento, mas de honestidade. “Nunca foi um problema e muito pelo contrário, para mim foi uma libertação não ter que ficar enganando as pessoas com a informação. Já que eu trabalho com informação, vou ser transparente.”

Fora das telas

Apesar da visibilidade, a postura pessoal de Elton permanece discreta. Ele se descreve caseiro, fã de café preparado com cuidado, leitor de filosofia estoica, de neurociência e história, e adepto de uma vida simples, que privilegia momentos com a família e refúgio junto ao céu e ao mar. A timidez continua no trato com o público, mas se transforma em firmeza diante das câmeras.

“Fora do trabalho, gosto de ler filosofia, principalmente estoicismo, neurociência, saúde mental e história. Sempre gostei de escrever poesia, música, textos na máquina do meu pai. Escrever é libertador.”

No dia a dia, mantém rituais simples. “Gosto de fazer meu próprio café. Moer o grão, preparar, é terapêutico.” Ele se descreve como alguém de hábitos tranquilos. “Sou caseiro, gosto de ficar em casa, comer comida simples, feijão com arroz, comida baiana. Com as oportunidades, pude entrar em lugares que antes eu só passava pela porta e achava que nunca entraria, mas isso não me deslumbra. A única coisa que estou aprendendo é a reagir a esse negócio de ser reconhecido na rua. Sou tímido, às vezes acham que é arrogância, mas eu fico sem saber como agir”, brinca.

Elton Serra na sua casa, em Salvador por Fernanda Varela/CORREIO

O céu é o limite

Elton sonha acordado olhando para o céu e explica que o hábito não nasceu por acaso. “Nunca quis ter teto sobre minha cabeça, além do telhado. Por isso não gosto tanto de apartamento, com vizinho em cima. Sempre quis um lugar em que eu pudesse sair e ver o céu. Foi assim a minha infância inteira, porque eu morava num casebre e via o céu sempre. Meus pais moram na casa de Cajazeiras até hoje, e meu quarto ficava na parte mais alta. Eu saía do quarto e via o céu. Eu priorizo lugares onde o único teto sobre mim seja o céu. Esse é um lugar que me proporciona isso. Eu saio e vejo o céu, vejo o mar”.

“Por que eu tenho esse sentimento? Primeiro, porque é uma conexão que eu tenho com a natureza desde pequeno. E existe essa metáfora de que o céu é o limite. Eu não quero que nada me impeça de tocar, de alguma forma, o céu. Então eu gosto de lugares que me mostrem isso, que não me prendam, que não me sufoquem.”

Elton Serra

Comentarista Esportivo

Quando fala sobre futuro, responde sem pressa. “Vivo um dia de cada vez. Quero estar em paz. Se daqui uns anos eu estiver vendendo geladinho de novo, mas estiver em paz, tudo bem.”

Elton, que quando criança chegou a sonhar em estudar História na faculdade, acabou seguindo outro rumo. Ainda assim, fez história de um jeito muito mais potente.

BATE-PRONTO COM ELTON SERRA (VEJA NA GALERIA ABAIXO)

Bate-Pronto com Elton Serra por Arte CORREIO

*Essa foi uma das matérias mais desafiadoras da minha carreira. Escrever, de forma isenta, sobre a história de vida de alguém quem topou dividi-la comigo há 15 anos é, também, um grande presente. Hoje, meu orgulho de tudo o que você construiu só aumentou.

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