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Fé e finanças: o convento onde freiras emprestavam dinheiro e cobravam juros

Como o Convento de Santa Clara se tornou um símbolo de poder espiritual e financeiro na Madeira

  • Foto do(a) author(a) Agência Correio
  • Agência Correio

Publicado em 6 de julho de 2025 às 09:00

Como o Convento de Santa Clara se tornou um símbolo de poder espiritual e financeiro na Madeira
Como o Convento de Santa Clara se tornou um símbolo de poder espiritual e financeiro na Madeira Crédito: Imagem gerada por IA

O Convento de Santa Clara, no Funchal, em Portugal, voltou a abrir as portas ao público após uma reabilitação completa que resgatou a beleza e a importância histórica do edifício.

Para além da arquitetura religiosa preservada, a novidade maior está nas histórias que emergem das suas paredes silenciosas — entre elas, a de freiras que, apesar da clausura, desempenhavam um papel inesperado na vida financeira da cidade. Concediam empréstimos, cobravam juros e aceitavam joias como forma de garantia.

Essas descobertas lançam nova luz sobre o papel das mulheres religiosas na Madeira entre os séculos XVI e XIX. Elas estavam longe de ser meras figuras contemplativas.

As freiras de Santa Clara eram ativas, organizadas e, dentro das limitações do seu tempo, exerceram formas próprias de influência econômica e social. A restauração do convento permite agora que esse legado seja conhecido por todos, valorizando tanto o edifício quanto as histórias femininas que ele abrigou.

Balcão de Recomendação por Intellectual Reserve/Divulgação

Tradição e arquitetura preservadas

O convento é um dos edifícios mais antigos do Funchal e representa um marco importante da arquitetura religiosa da ilha. Sua construção inicial remonta ao século XV, e o complexo foi sendo ampliado e adaptado ao longo dos séculos, refletindo os momentos de maior riqueza e devoção da comunidade religiosa que o ocupava.

Os claustros, corredores, capelas e salas mostram o rigor com que se organizava a vida em clausura, mas também evidenciam a imponência material da instituição.

A recente obra de restauro teve como princípio básico o respeito à estrutura original, embora tenha introduzido melhorias para garantir segurança, acessibilidade e novas formas de visitação.

Elementos históricos como talhas douradas, retábulos e painéis de azulejo foram cuidadosamente recuperados, assegurando a fidelidade visual e espiritual do lugar. Assim, o convento se moderniza sem perder a alma, tornando-se acessível a novos públicos.

Mais do que um monumento preservado, o Convento de Santa Clara é agora uma ferramenta viva para a educação e a cultura.

As escolhas arquitetônicas e museológicas feitas na restauração tornam possível compreender como o espaço religioso funcionava, quais eram os rituais diários e de que forma a vida interna se conectava com o exterior — inclusive por meios financeiros, como se revelou mais tarde.

O poder financeiro das enclausuradas

Entre as revelações mais marcantes trazidas à tona com a reabertura está a prática das religiosas de emprestar dinheiro com cobrança de juros.

Esse tipo de atividade, que à primeira vista pode parecer contraditória com a ideia de uma vida monástica voltada apenas à espiritualidade, era na verdade uma resposta pragmática às necessidades da ordem e à realidade da época. O convento possuía recursos, e as freiras sabiam como utilizá-los para garantir a sustentabilidade da instituição.

Essas mulheres recebiam joias de terceiros como forma de garantia por empréstimos concedidos. Os objetos eram cuidadosamente guardados e devolvidos após o pagamento das dívidas, com os devidos acréscimos de juros.

É um modelo rudimentar de operação financeira, mas que funcionava de forma eficaz e organizada, permitindo que o convento gerisse seus bens com relativa autonomia. Era, em essência, um sistema de crédito informal controlado por mulheres.

Esse aspecto da vida conventual rompe com os estereótipos comuns e revela uma dimensão surpreendente da história das ordens religiosas femininas. Longe de estarem isoladas do mundo, essas freiras compreendiam os mecanismos econômicos e faziam uso estratégico dos seus recursos.

Com isso, tornaram-se agentes relevantes na rede social e financeira do Funchal, consolidando o convento como um núcleo de poder espiritual e material.

Um espaço reimaginado para todos

A restauração recente não teve apenas um objetivo conservacionista. Tratou-se também de um gesto de abertura: permitir que o público acesse e conheça um espaço antes reservado à clausura.

O convento foi cuidadosamente preparado para receber visitantes, com sinalização moderna, áreas interpretativas e recursos que ajudam a compreender as camadas de tempo, fé e história que se sobrepõem naquele local. Tudo foi feito para que a experiência de visita fosse imersiva e informativa.

Com essa nova vida, o convento passa a integrar o circuito cultural da cidade. As atividades ali realizadas vão além do turismo tradicional: há espaço para exposições, estudos históricos, ações educativas e eventos que conectam o passado ao presente.

O lugar transforma-se, assim, num ponto de encontro entre diferentes gerações e saberes, ampliando sua função de agente cultural da Madeira.

Ao valorizar tanto a arquitetura quanto a história das mulheres que ali viveram, a reabilitação do Convento de Santa Clara representa uma vitória para a memória coletiva.

As histórias de fé, de gestão e até de finanças protagonizadas por essas religiosas não apenas ganham visibilidade, mas também inspiram reflexões mais amplas sobre o papel das mulheres e da religião na formação da sociedade madeirense.