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Agência Correio
Publicado em 15 de outubro de 2025 às 20:38
O uso compulsivo de redes sociais por adolescentes pode, em breve, ganhar status de doença mental reconhecida. Pesquisadores propõem definir limites de tempo e critérios objetivos para identificar quando o hábito deixa de ser lazer e se torna um transtorno clínico. >
A ideia, que já está em discussão entre especialistas, busca facilitar diagnósticos, orientar políticas públicas e garantir acesso a tratamentos para jovens afetados pelo uso abusivo de redes sociais.>
Angústia, tristeza, ansiedade e depressão
Um grupo de cientistas norte-americanos propôs oficialmente incluir o vício em redes sociais e internet no DSM, o manual internacional de diagnósticos psiquiátricos, e na Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS. >
A proposta surgiu a partir de estudos que mostram que o tempo excessivo de tela está afetando diretamente o bem-estar e a saúde mental de milhões de adolescentes. A ideia é criar uma escala semelhante à usada para alcoolismo, capaz de identificar quando o uso passa do saudável ao problemático. >
Segundo Dimitri Christakis, da Universidade de Washington, e Lauren Hale, da Universidade de Stony Brook, em entrevista ao O Globo, a falta de um diagnóstico oficial dificulta a atuação de profissionais de saúde e o acesso a terapias adequadas.>
Para eles, a urgência é clara: mais de 6 milhões de adolescentes nos EUA já apresentam sinais de uso problemático de mídia social, com impacto em desempenho escolar, relações sociais e sono. >
O ponto central da proposta é estabelecer limites claros de tempo de uso e consequências na rotina. A definição preliminar considera fatores como: interferência nos estudos, privação de sono e prejuízos nas relações familiares e sociais. >
Também está em análise a natureza do conteúdo consumido, já que bullying e discursos de ódio intensificam os danos psicológicos.>
Pesquisadores defendem que a criação de um diagnóstico ajudaria a padronizar tratamentos, ampliar a cobertura de planos de saúde e facilitar intervenções precoces. Com um código CID, por exemplo, escolas e clínicas teriam base legal para apoiar famílias e adolescentes afetados.>
Apesar disso, há resistência na comunidade científica. Alguns especialistas alertam que criar categorias específicas demais pode fragmentar o entendimento de transtornos mais amplos, como o de controle de impulsos, dificultando tratamentos integrados.>
A discussão sobre classificar o vício em redes sociais como transtorno mental não é nova. Situação semelhante ocorreu com o vício em videogames, que foi reconhecido pela OMS, mas não pelo DSM. >
Críticos, como o psiquiatra Luis Augusto Rohde, da UFRGS, em entrevista ao O Globo, afirmam que “há muito barulho e pouca ciência sólida”, sustentando novas classificações.>
Para Rohde, tudo o que envolve prazer e gratificação tem potencial compulsivo, compras, comida, jogos, e talvez o foco devesse ser um diagnóstico mais abrangente, que englobasse diferentes manifestações de impulsividade. “Criar categorias isoladas pode mais atrapalhar do que ajudar”, alerta.>
Por outro lado, defensores da proposta argumentam que, mesmo que a categoria seja arbitrária, ela criaria ferramentas práticas para médicos, escolas e famílias enfrentarem o problema, além de viabilizar acesso a terapias cobertas por sistemas públicos e privados de saúde.>
Pesquisas mostram que a relação entre redes sociais e saúde mental é de mão dupla: a compulsão pode tanto agravar quadros de ansiedade e depressão quanto ser consequência deles. >
Estudos com meninas adolescentes indicam que baixa autoestima, mecanismos tecnológicos viciantes, como rolagem infinita, e pressão social contribuem para o ciclo de dependência.>
A psicopediatra Jashvini Amirthalingam destaca que plataformas criadas para conectar também podem alimentar comportamentos obsessivos, especialmente em jovens vulneráveis. Por isso, especialistas insistem que a discussão não deve se limitar ao tempo de tela, mas também ao impacto emocional e comportamental.>
Christakis e Hale ressaltam que adolescentes que passam nove horas diárias conectados provavelmente sacrificam sono ou tempo escolar, o que já seria motivo suficiente para intervenção. “Isso, por si só, é um sinal de alerta”, afirmam.>
Mesmo que a classificação oficial ainda esteja em debate, especialistas já oferecem recomendações práticas para reduzir os riscos do uso excessivo de telas. >
A OMS recomenda evitar completamente telas para crianças de até 2 anos e limitar a uma hora supervisionada por dia entre 2 e 4 anos. Para adolescentes, o foco deve ser no equilíbrio entre o uso digital e atividades off-line.>
A Sociedade Brasileira de Pediatria reforça que menores de 13 anos não devem ter perfis próprios em redes sociais e que o uso entre 13 e 17 anos seja supervisionado. Também recomenda retirar aparelhos dos quartos antes de dormir e restringir o uso durante tarefas escolares.>
A Associação Americana de Psicologia, por sua vez, destaca a importância do diálogo aberto: orientar os adolescentes sobre conteúdos de qualidade, riscos da desinformação e limites saudáveis é mais eficaz do que impor regras rígidas e punitivas.>
A proposta de transformar o vício em redes sociais em um transtorno mental oficial pode redefinir como escolas, famílias, médicos e governos lidam com a saúde digital dos adolescentes. A medida abre espaço para políticas públicas, programas de prevenção e tratamentos acessíveis.>
Por outro lado, especialistas alertam que rotular excessivamente pode banalizar diagnósticos e reduzir problemas complexos a números de horas na tela. O desafio, segundo pesquisadores, será encontrar um equilíbrio entre reconhecimento clínico e responsabilidade social das plataformas digitais.>
Independentemente da decisão oficial, o debate joga luz sobre um problema crescente: o impacto real das redes sociais no bem-estar emocional e no desenvolvimento dos jovens. A discussão está só começando, e pode transformar profundamente a forma como encaramos a vida online. >