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Da Redação
Publicado em 21 de agosto de 2022 às 16:00
Sabe os discos de vinil que seus pais e avós guardam em casa? Se você gosta de música, deveria dar mais atenção a esses objetos ‘das antigas’. Após passar por uma crise braba nos anos 90, com sua substituição pelo CD, e em meados de 2000, com os serviços de música digital e streaming, o 'bolachão' resiste. Para além disso: se consolida como suporte. Ao que tudo indica, esse novo momento não parece ser mero modismo.>
Na pandemia, quando as pessoas ficaram mais reservadas, reacendeu o interesse pelos LPs. Em todo o Brasil foram abertas lojas e sebos virtuais para a comercialização dos discos, bem como clubes de assinatura que entregam, normalmente, um álbum por mês aos assinantes. Já são cinco clubes de assinatura e cerca de 30 mil assinantes no país, um mercado cada vez mais aquecido. Atentas a essa realidade, fábricas de vinil abriram e reabriram. Atualmente, as maiores em atividade são a Polysom, no Rio de Janeiro, a Vinil Brasil e a Rocinante, ambas em São Paulo. >
Em Salvador, a cultura do vinil também se impõe. Aliás, ela sempre esteve por aqui, através de entusiastas como o produtor cultural Rogério Bigbross, 50 anos. Com um acervo pessoal de cerca de dois mil discos, ele coleciona e vende vinis há um bom tempo. “Eu monto banquinha e shows desde os anos 90. Sempre colecionei e vendi LP, CD, K7. Vi as mídias morrerem e ressuscitarem”, brinca. Com acervo pessoal de dois mil discos, Bigbross coleciona e vende LPs, CDs e K7 desde os anos de 1990 (Foto: Ana Albuquerque) Como a maior parte dos apaixonados por vinil, Bigbross cresceu em um lar onde se ouvia muita música. Entre suas lembranças de infância está o longplay azul de ‘Pluft, O Fantasminha’, adaptação literária do livro de 1955, de Maria Clara Machado. Na adolescência, veio a rebeldia do rock: “O primeiro disco que escolhi de presente foi o ‘Dressed to Kill’ (1975), do Kiss, no ano do primeiro Rock in Rio, em 85”, lembra. O primeiro emprego foi na Bazar Musical, que ficava no Orixás Center. “Em 1991, a loja, que era também um selo, tinha lançado a coletânea ‘Bazar Musical Salvador vol.1’ e o disco da banda de death metal Slavery. Nessa época, eu já caia no mundo e sempre que podia levava esses dois LPs para fazer trocas com outros selos”, conta ele, que hoje em dia tem a Big Bazar Discos, loja virtual e física. >
Pedro Santana, 43, cresceu na época em que o LP era um dos únicos suportes para tocar música (depois, vieram as fitas K7). Enquanto o pai se voltava para discos eruditos e a mãe, de MPB, o pequeno Pedro ouvia Os Saltimbancos/1977, A Arca de Noé/1980 e A Turma do Balão Mágico/1982, clássicos infantis dessa geração. E fixava o olhar, fascinado, quando a agulha tocava “naquele prato”, emitindo sons. >
Com o tempo, o fascínio virou vontade de tocar um instrumento, mas a falta de talento, como ele mesmo concluiu, o manteve apenas como admirador da música. A apreciação virou coleção, que começou há 15 anos, justamente com os discos herdados dos pais. Durante a pandemia, “pra não pirar”, Pedro organizou seus álbuns e catalogou ao menos 600 bolachões. Foi aí que decidiu abrir uma loja virtual, a BR Deep Discos, que oferece um acervo de música brasileira. Lançada em julho, a primeira venda foi o segundo compacto gravado por Gilberto Gil. “Esse é muito raro”, garante. >
O produtor cultural e diretor audiovisual se descobriu empreendedor e também descobriu um novo mundo: “Se fala muito da cultura do vinil e estou vivendo plenamente isso agora, nesse momento que lancei a lojinha. Estou correndo sebos, conhecendo gente, ouvindo e conversando muito com as pessoas, então, é uma delícia. Você não vai só pra comprar, mas pra trocar ideia, falar sobre música, garimpar. Achar um disco legal, que você estava procurando há tempos, é uma experiência fantástica, antropológica”. >
Mente aberta Uma das pessoas que Pedro Santana conheceu nas vivências em torno do vinil foi Ivan Santos, 50. Apaixonado pelo que chama de “música obscura”, seu primeiro contato com as sonoridades se deu com os tambores e cantos do terreiro que ia com a madrinha, ainda na primeira infância: “São sons que lembro ainda hoje”. Depois, conheceu o carnaval de perto, quando o pai o levou pra folia, aos seis anos. Em seguida, mergulhou no universo gospel. “Agora também busco axé e swing na vertente gospel”, ressalta. Ivan Santos, 50 anos, coleciona e vende vinis: “Virei mais vendedor do que colecionador. A necessidade diz a prioridade” (Divulgação) “Virei mais vendedor do que colecionador. A necessidade diz a prioridade” -, ao contrário de quem procura discos raros e, por consequência, mais caros, Ivan dá atenção a álbuns baratos. Ele também defende preços acessíveis para todos. “Lançar LPs novos na pegada de 190, 250 reais é absurdo. Eu trampo com o resgate de ítens em outros bazares e camelôs. Colocamos um novo olhar sobre aquilo e depois do processo de reavaliação, limpeza, audição, decidimos onde negociar. Importante dizer que discos também podem ser para todos. Temos muitos LPs e CDs de qualidade, música incrível, por 5, 10, 20, 30 reais. Basta que geral abra a mente”. >
Super mente aberta, Eldo Luiz, o Eldo ‘Boss’, 35, ouve e vende vinis de todos os gêneros musicais, de todas as épocas, para todos os bolsos e idades, com um olhar especial para o público jovem. Na Discodelia, loja localizada nos Barris, o cliente encontra álbuns clássicos de Geraldo Vandré, Zezé Motta, Angela Ro Ro, Edson Gomes e também artistas mais atuais, como Rage Against the Machine e Marina Sena. Segundo ele, os LPs de rap, como alguns de Tupac Shakur e o novo de Dr. Dre, e outros discos importados, são o diferencial com relação a outras lojas. Colecionador desde os 15 anos, Eldo Boss, abriu, junto com os sócios Igor Faria e Juan Almeida, a Discodelia (Amarildo Santos/divulgação) “A Discodelia nasceu para abarcar, principalmente, a galera mais jovem, a geração de 17 a 23 anos, que é uma parcela considerável entre os consumidores. A gente traz discos importados, lançamentos da música atual, para atrair esse tipo de público”, avalia ele, de olho na renovação do mercado.>
Por estar vinculado a uma realidade musical integrada à cultura do vinil e da fita K7 - hip hop, jazz funk e música africana - o produtor, baterista e beatmaker Jorge Dubman, 41, sempre teve o sonho de ver (e ouvir) seus trabalhos nesses formatos. O processo acabou sendo muito natural. Dos 13 álbuns que produziu, sete viraram LPs. Em 2013, lançou o compacto ‘Dub Version’, com sua banda Dubstereo. Em seguida, vieram vinis com seu outro grupo, IFÁ (‘IFÁ & Okwei V Odili’/2015, ‘Ijexá Funk Afrobeat’/2017 e ‘Manifesta’/2018). Mais recentemente, em carreira solo como Dr. Drumah, já são três LPs no mundo: ‘Drumahmental’/2018, ‘The Confinement Vol.01: Africa’/2021 e ‘Nu-Konduktor’/2022. O produtor, baterista e beatmaker Jorge Dubman, o Dr. Drumah, já lançou sete trabalhos em vinil (Glauco Neves/divulgação) Segundo ele, quem compra os álbuns são colecionadores, DJs e entusiastas. “É quem gosta de ouvir música nesse formato, quem nunca deixou de comprar disco, a galera mais jovem que tá chegando agora e as pessoas que querem fortalecer o trabalho. Porque é um trampo fazer vinil! Não é fácil, não é barato, não é pra qualquer um, é um custo bem alto. Você precisa ter um público certo, saber que esse público consome sua música, que é o que acontece comigo, graças a Deus”, celebra. >
Bora, mulheres! Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas cadê a mulherada nesse rolê? Foi essa mesma pergunta que a museóloga e colecionadora baiana Lorena Lacerda, 32, fez. Para tentar responder, surgiu o projeto ‘Mulheres na Cultura do Vinil’, em parceria com a Dj Carlu, de São Paulo. Juntas, elas conseguiram ouvir 35 colecionadoras do Brasil inteiro. Em março deste ano, aconteceu o I Encontro de Mulheres na Cultura do Vinil, na capital paulista. Lorena Lacerda (à dir.), desenvolveu uma pesquisa com DJ Carlu, para saber onde estão as mulheres na cultura do vinil (Divulgação) “Sobre as conclusões, nós ainda estamos em andamento da pesquisa, mas já conseguimos contrariar as estatísticas machistas que diziam que não existiam mulheres colecionadoras de discos ou que tinham poucas. Nós somos muitas! O machismo e o racismo são estruturais e atravessam diversos lugares da sociedade, inclusive os meios culturais. Seguimos, agora, juntas, afirmando o nosso rolê histórico na preservação do legado musical através do vinil”, afirma Lorena, a Lorenlacre. >
Da pesquisa, surgiu também o evento ‘As Minas Giram o Disco’, espaço de audição, bate-papo, compartilhamento de afetividade e laços musicais. Homens podem participar. O próximo encontro ainda não tem local e data definidos, mas está sendo programado para setembro ou outubro. "Já rolou de cliente não acreditar na minha avaliação do disco por achar que mulher não manja nada”, conta Marcelle Fontes (Divulgação) Por conta do machismo, a estudante e vendedora de discos Marcelle Fontes, 27, já passou por situações bastante desagradáveis. “Uma certa feita, eu estava negociando com um rapaz de outro estado. Quando ele descobriu que eu era mulher, disse que ia me dar o disco, mas que eu tinha que ir buscar na casa dele. Também já rolou de cliente não acreditar na minha avaliação do disco por achar que mulher não manja nada”, conta ela, que tem loja virtual no Instagram, a Vendovinil.ssa. “Sou curta e grossa, não dou papinho, se vem de assédio ou alguma falta de respeito, já bloqueio logo, sem paciência”. Fran Fragas acha que ainda tem pouca mulher comercializando vinil em Salvador (Eldo Boss/divulgação) No comando da Fran Lojinha & Disqueria, Fran Fragas é mais uma das meninas na cultura do vinil na Bahia. Por aqui, ela acha que a participação da mulherada ainda é tímida, principalmente no que diz respeito à comercialização de LPs. “Em Salvador, a gente não tem loja física de mulheres, só de homens. Tem as virtuais, que estão entrando no mercado, participando de feiras”, analisa. “O nosso intuito é mostrar que a gente tá aí, também consome, que a gente tem o nosso olhar particular pro vinil. Mas tem mulher, sim. Vale a pena a gente se fortalecer”.>
SE LIGUE: Live de lançamento do documentário ‘Oxe, que disco massa!’, que acontece na próxima quinta-feira, 25 de agosto, às 20h. Dirigido por Amarildo Santos, o curta-metragem mostra um panorama atual da cena do vinil na Bahia, através de depoimentos de quem mete o dedo na agulha e faz o disco girar, como Rogério Bigbross, Eldo Boss, Lorena Lacerda, Ivan Coelho, Fran Fragas, entre outros. O evento virtual será transmitido através do canal Filtro de Barro no YouTube. Depois, no dia 03 de setembro, às 14h, é a vez da 3ª Feira de Discos do Centro, que será realizada na loja Discodelia, no Shopping Colonial, Barris. Lá, estarão vendedores de vinis de todas as partes da Bahia, com LPs dos mais variados preços e gêneros musicais. LOJAS DE VINIL:>
Big Bazar Discos - Rua General Labatut, 137, Shopping Colonial, Loja 15, Barris (71) 99293-8403 @bigbazar_discosDiscodelia - Rua General Labatut, 137, Shopping Colonial, Loja 07, Barris (71) 98808-2580 @discodelia_Blá Blá Blá Arte & Cultura - Rua do Meio, 141, Rio Vermelho @blablablarteculturaMidia Louca - Rua Fonte do Boi, 81, Rio Vermelho @midialoucaCaveira Discos - Rua Direita do Santo Antônio Além do Carmo, 119, Centro Histórico (71) 98154-0429 @caveiradiscosBazar Berimbau Bossa - Largo do Pelourinho, 14 (71) 99604-1961 @bazarberimbaubossaBR Deep Discos @brdeepdiscosIlustre Bahia Discos @ilustrebahiadiscosVendo Vinil SSA @vendovinil.ssaFran Lojinha & Disqueria @fran_lojinhaVinil Além do Caos @vinil.alemdocaos>
LOJAS DIVERSAS >
Jeremias Conceição da Cruz (71) 98682-4959 - conserta e vende toca-discos @jeremias.som_Judison José Lopes - Rua Guedes de Brito, 21, Praça da Sé (71) 3243-9552 - conserta toca-discosAurisom - Praça da Sé, 22, Pelourinho (71) 3322-6893 - vende vinil Planet Music - Rua da Misericórdia, 03, Pelourinho (71) 3322-2299 - vende vinil e, às vezes, toca-discosBazar Som 3 - Rua do Paraíso, 34, Bloco A Loja 4, Nazaré (71) 3266-3519 - vende vinil e toca-discos Unisom - Rua Guedes de Brito, 08, Praça da Sé (71) 3322-5972 - vende agulha>