Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Nem todo idoso é a tia ou o tio do zap: cinco caminhos para combater o preconceito contra os mais velhos nas redes

Pesquisa aponta que 41% das pessoas com 60 anos ou mais leem as políticas de privacidade de páginas ou aplicativos, enquanto só 27% dos jovens de 16 a 24 anos têm a mesma atitude

  • Foto do(a) author(a) Priscila Natividade
  • Priscila Natividade

Publicado em 22 de outubro de 2022 às 11:00

. Crédito: Ilustração: Quintino Andrade

“Bom dia, grupo”. Do lado de lá, alguém, com certeza, já deve ter imaginado que é a mensagem de uma tia ou tio brotando na tela de notificações do zap. Só que pode ser que não.  Afinal, compartilhar figurinhas, memes, frases motivacionais ou correntes - e até fake news - nas redes sociais não é um comportamento restrito aos idosos ou a qualquer outra faixa etária. Como sabemos, até aquele “novinho” descolado pode cair no golpe disfarçado que promete desconto, encaminhar desinformação ou deixar vazar nudes por engano. 

Apesar disso, o etarismo - preconceito com pessoas idosas - faz com que essa população seja condenada por comportamentos que desqualificam sua presença nas mídias sociais, quando, na verdade, os equívocos virtuais são comuns a todos. Se hoje, entre a população com 60 anos ou mais, a proporção de usuários de Internet passou de um terço (34%), em 2019, para quase metade (48%) em 2021 - tudo isso, inclusive, muito acelerado pela pandemia - por que o idoso ainda é tão estigmatizado no mundo digital? 

Os dados são da pesquisa TIC Domicílios, levantamento sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros, feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) da Coordenação do Ponto Br (NIC.br). Os números mais recentes mostram também que pouco mais da metade dos idosos usuários de Internet (56%) usou redes sociais no último ano. 

A proporção das pessoas com 60 anos ou mais que enviaram mensagens instantâneas (89%) ou conversaram pela Internet por chamada de voz ou de vídeo (81%) está dentro da média, o que mostra que os usuários dessa faixa etária tendem a se comunicar e a se relacionar pela Internet de maneira pouco distinta de outros grupos etários, como explica o coordenador da pesquisa TIC Domicílios, Fabio Storino. “A pesquisa mostrou que muitos idosos passaram a usar a Internet desde o início da pandemia. A própria vivência no mundo digital amplia as práticas nesse ambiente e permite que os usuários - sejam eles mais jovens ou mais velhos - desenvolvam mais habilidades para se beneficiar dele ou para lidar com potenciais riscos ou prejuízos associados à rede”. Outro dado que chama atenção - e desconstrói o estigma que os mais velhos carregam de um comportamento “sem noção” nas redes - está na pesquisa Painel TIC do Cetic.br|NIC.br sobre o tema de privacidade e proteção de dados pessoais. O estudo mostrou que os usuários de 60 anos ou mais indicaram maior preocupação do que os mais jovens com o possível roubo ou vazamento de dados. 

De acordo com esses números, 41% das pessoas com 60 anos ou mais lê as políticas de privacidade de páginas, ou aplicativos, enquanto só 27% dos jovens de 16 a 24 anos têm a mesma atitude, proporção abaixo da média (37%) entre todos os usuários. “Ainda que não sejam 'nativos digitais', os usuários mais velhos trazem consigo experiências de vida do mundo offline que também podem contribuir tanto para a percepção quanto para a mitigação de riscos no ambiente online”, ressalta Storino. 

Não há mais espaço para o estereótipo de que os idosos parecem não refletir muito sobre o que postam ou compartilham, muito menos para continuar reproduzindo o preconceito que desqualifica a sua presença no ambiente digital. Por isso, destacamos cinco caminhos para combater o etarismo contra os mais maduros e o uso da tecnologia (veja abaixo). Uma dessas atitudes, segundo o professor e assessor pedagógico do EducaMídia 60+ do Instituto Palavra Aberta, Bruno Ferreira, passa por um olhar mais consciente, sobretudo, por parte dos mais jovens, para a existência - e permanência - dos mais velhos nesse ambiente. “Infelizmente, muitos idosos são vistos como pessoas ingênuas ou deslumbradas frente às tecnologias, por algumas vezes não saberem, do ponto técnico, lidar com algumas ferramentas digitais ou por terem um comportamento que foge a uma norma estabelecida por pessoas mais jovens, que possuem mais habilidades nesse universo. No entanto, é preciso que as gerações mais novas reflitam sobre esses comportamentos em vez de julgá-los”, defende.   Também é necessário reconhecer que os grupos mais jovens são privilegiados no que diz respeito ao letramento digital. “Desde 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) determina que comunicação e cultura digital devem ser competências a serem discutidas na escola. Pessoas entre 20 e 50 anos puderam desenvolver essas habilidades nos momentos de lazer ou no mundo do trabalho. Mas pessoas acima de 60 anos talvez tenham, hoje em dia, menos espaço para refletir sobre o uso desses recursos”. 

O Instituto Palavra Aberta lançou, no último mês, o EducaMídia 60+, programa de educação midiática para pessoas com mais de 60 anos.  Entre os conteúdos trabalhados, estão a busca e a avaliação de informações no mundo conectado, diferenças entre tipos de conteúdos midiáticos, desinformação e fake news, lógicas das redes sociais, informações das eleições e golpes na internet. Os módulos e as cartilhas digitais estão disponíveis gratuitamente no site 60mais.educamidia.org.br. 

A mudança é urgente, conforme reforça Ferreira. “Estigmas dessa natureza podem constranger pessoas idosas, limitando sua aprendizagem e exploração desses recursos, afetando o acesso, o direito à informação e à liberdade de expressão desse grupo etário. Para desconstruir esse ‘tiozão do zap’ é preciso educação e respeito”, complementa.

Incentivar o questionamento em vez do simples consumo de informações é sempre uma maneira de educar para as mídias. “O compartilhamento de imagens de ‘bom dia’, de mensagens motivacionais ou de correntes é bastante atribuído, de forma preconceituosa, a idosos. Mas definitivamente esse hábito não diz respeito apenas a essa faixa etária. Por essa razão, é fundamental que haja processos educativos e produtos de comunicação que contribuam para que sua inclusão digital seja crítica e livre de tabus”. 

Imigrantes digitais  A professora, atriz e diretora teatral, Isa Trigo, 65 anos, tem muito cuidado com qualquer coisa que publica na internet. “Eu uso mais o Instagram e o WhatsApp. Praticamente não vou ao Facebook, nunca acesso o Telegram e o Tik Tok é uma eventualidade. Eu me comunico hoje 90% do tempo pela internet. Não acho que a internet é meu álbum de fotos de família, sei, exatamente, a diferença de privacidades. Eu aprendi aquilo que preciso”. 

Isa confessa, no entanto, que tem uma quantidade enorme de coisas para desbravar ainda. “Acho que, às vezes, fica difícil. Assim como sou uma idosa que uso a internet com frequência, também já vi outras com muita resistência. O mundo é digital e a gente está vivendo em outro mundo. É como se as pessoas andassem de carruagem, mas não querem que os carros existam. Mas eles existem e temos que aprender a andar de carro”, afirma. 

Para o psicólogo especialista em Gerontologia, Mestre em Enfermagem e Saúde e Professor da Rede UniFTC, Mateus Soares,  a estigmatização do idoso no meio digital ocorre principalmente por estes serem “imigrantes digitais” e a partir disso, há uma não legitimação da sociedade em geral de que esse espaço também pode ser ocupado por essa população.  “É mais que importante que a sociedade como um todo, incluindo profissionais especialistas da área, educadores, família e o próprio idoso, busque estratégias para desconstruir esses estereótipos. Reconhecer que o envelhecimento humano se dá de forma plural e que estamos diante de muitas velhices e subjetividades”. Nenhuma informação ou notícia que a terapeuta ocupacional aposentada Maria Tereza Baraúna, 65 anos, acessa é compartilhada sem que ela faça antes uma verificação detalhada para confirmar se aquilo é fake ou não. “Sempre verifico tudo antes de passar adiante. Uso o WhatsApp ativamente e o Instagram quando o trabalho exige. Talvez nunca tenha sofrido discriminação nas redes sociais porque as pessoas, jovens ou não, com as quais me relaciono, respeitam a diversidade. Se a discriminação existe, a única forma de combater é pela educação”. 

A qualificação do idoso dentro do mundo digital deve acontecer pela formação e introdução de conteúdos do interesse desse grupo, conforme ressalta o psicólogo especialista em Gerontologia, Mateus Soares. “Portanto, pensar em estratégias para reduzir os estigmas, orientar essas pessoas para um uso seguro dos meios digitais, assim como preparar a família para dar esse suporte, é seguir integrando a pessoa idosa, dirimindo esses estereótipos”. 

Desconstrução  De que forma essa educação pode ser mais inclusiva e livre de rótulos redutores? Quem responde é o coordenador da graduação em Comunicação Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Eurico Matos: “Está havendo, sim, uma inclusão de pessoas mais velhas no ambiente digital, sobretudo, pelo uso de dispositivos móveis, mas o fato de ter mais acesso não significa menos desigualdades digitais. É fundamental se preocupar com esse público e como eles recebem os conteúdos”. O principal desafio é pensar como desenvolver caminhos que favoreçam esse acesso. “Os jovens precisam estar mais abertos para inserir a pessoa mais velha no ambiente, porém, a alfabetização digital do idoso também depende da busca por melhores soluções pensadas para essa faixa etária e de que maneira isso pode trazer novos desdobramentos e combater a desinformação”, completa.  

CINCO CAMINHOS PARA  COMBATER O ETARISMO CONTRA IDOSOS NAS REDES

1. Checagem Todas as pessoas devem saber que informações precisam ter a procedência checada. Principalmente as mais "surpreendentes" e "escandalosas" têm chances de serem fake news. Questione sempre a confiabilidade das fontes, consulte mais de uma e só compartilhe o que tiver segurança de ser verdadeiro.

2. Educação e respeito Qualquer pessoa pode cair em golpes e acreditar em notícias falsas. É importante estar alerta e alertar - com respeito - incentivando que todos "desconfiem" e utilizem instrumentos de pesquisa para evitar prejuízos. As redes de checagem dos principais veículos de comunicação estão aí para colaborar.  

3. Combate ao etarismo  É preciso combater o estigma de que só o idoso cai em golpes ou compartilha fake news. Os riscos estão aí para todos, independente da idade. Isso passa por uma conscientização, inclusive, dos mais jovens de estarem mais abertos à presença dessa faixa etária nas redes sociais.  

4. Cultura digital  Se, por um lado, a presença dos mais maduros nas redes deve vencer o choque de gerações, do outro ainda existem idosos que precisam reverter a sua resistência ao mundo digital. Pessoas que nutrem essa resistência devem conhecer melhor as redes sociais, fazer parte, ocupar o espaço de forma segura e significativa.  

5. Redes de apoio  Diferente de crianças e adultos que têm mais oportunidades de exposição à tecnologia e capacitação para usá-la, a população mais idosa depende da existência de outras redes de apoio, como a família, a comunidade, instituições ou políticas públicas. Seja esse suporte contínuo, solidário e humanizado para ajudar, tirar dúvidas e ajudar nessa inserção.