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A vez deles: crescimento de produções sobre adolescentes LGBTQIA+ revela tendência do audiovisual

Este mês, estreias de Vermelho, Branco e Sangue Azul e da segunda temporada de Heartstopper dominaram plataformas de streaming

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 27 de agosto de 2023 às 10:00

Estreia de Heartstopper, na Netflix, e Vermelho, Branco e Sangue Azul, no Prime Video, garantiram o primeiro
Estreia de Heartstopper, na Netflix, e Vermelho, Branco e Sangue Azul, no Prime Video, garantiram o primeiro Crédito: Divulgação

Poderia ser apenas mais uma comédia romântica que se tornou a mais vista de uma plataforma de streaming em todo o mundo. Mas, no caso de Vermelho, Branco e Sangue Azul, que estreou no Prime Video, no último dia 11, trata-se de um feito inédito: foi a primeira vez que um filme com protagonistas jovens LGBTQIA+ conseguiu esse resultado. No longa, o filho da presidenta dos Estados Unidos se apaixona pelo príncipe da Inglaterra.

O que poderia ser um caso isolado, porém, tem dado mostras de que é parte de um fenômeno audiovisual maior. Neste mesmo mês de agosto, a concorrente Netflix lançou a segunda temporada de Heartstopper, série britânica que foi um dos hits do ano passado. Em poucos dias, a produção que conta a história de dois meninos adolescentes que se apaixonam também chegou às paradas mundiais da plataforma.

Os dois títulos são parte de uma onda que tem ganhado cada vez mais espaço no mainstream: as produções audiovisuais sobre adolescentes - especialmente, casais - LGBTQIA+. Após uma leva de produções como Sex Education e Eu Nunca, ambas da Netflix, que trazem personagens queer (ou seja, que fazem parte de minorias sexuais ou de gênero), agora esses personagens se tornaram protagonistas.

Para quem não via isso acontecer até pouco tempo atrás, é uma representatividade pouco comum, tanto no caso da série britânica quanto no filme. "Quem não gostaria de viver dentro de Heartstopper? Estar na escola e ter um grupo de amigos que se identificam com você e estão dispostos a te proteger. Essa não é a realidade predominante da nossa comunidade", comemora o administrador Geovane Talon, 29 anos.

Fã de Heartstopper, ele acredita que tanto pelo desejo de pessoas LGBTQIA+ por se verem nas telas quanto pelo crescente interesse do público geral, mais obras como essas devem ganhar repercussão. "Nós existimos e nossas histórias precisam ser contadas. Finalmente está se avançando além da letra L e G, estamos começando a ver bissexuais, trans e assexuais tendo seus momentos seja nas telas como nos livros", acrescenta.

No caso específico de Heartstopper e Vermelho, Branco e Sangue Azul, tratam-se de duas adaptações literárias: a primeira de série de HQs de Alice Oseman e em um livro de Casey McQuinston, respectivamente. Segundo o pesquisador Carlos Cavalcanti, mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), esses livros caíram no gosto de um público cada vez maior também por terem uma leitura fluida ao mesmo tempo que abordam essas questões.

“Hoje em dia, a questão da descoberta da sexualidade tem tido uma abertura maior para se falar sobre isso, até mesmo nas escolas”, diz ele, que desenvolve pesquisa sobre narrativas juvenis e aceitação da homossexualidade na adolescência.

Literatura

Publicados no Brasil pela Editora Seguinte, os dois livros figuravam entre os 50 mais vendidos do país em listas como a da Amazon no começo da semana. Para o editor da Seguinte, Antonio Castro, há um movimento de mais interesse, no campo literário jovem e adolescente, por ver mais histórias que trazem diversidade e sejam menos heteronormativas.

O primeiro título publicado pela editora com a temática LGBTQIA+ foi Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos Universo, de Benjamin Alire Sáenz, em 2014. Agora, dez anos depois, essa literatura parece ter chegado ao auge e até mesmo a pandemia da covid-19 pode ter acelerado esse processo.

Desde o lançamento de Vermelho, Branco e Sangue Azul, em 2019, o livro é considerado um sucesso pela editora. No entanto, em 2020, com a pandemia - e a influência do Booktok, o nicho de criadores literários do TikTok -, a popularidade e as vendas explodiram. A Seguinte não divulga os números de exemplares vendidos, mas confirma o impacto sentido a partir da metade de 2020.

“É uma comédia romântica clássica, com partes engraçadas e de romance. Quando você coloca um casal de meninos ou de meninas, acho que muda muito o mindset das pessoas, principalmente do público LGBT, que vê essa história e pensa ‘ela também é minha, eu poderia ter vivido isso”, opina.

Assim como o filme, Heartstopper debate, além do romance, a descoberta da sexualidade a partir de um ponto de vista considerado sensível e sem desfechos de sofrimento. Os personagens são ainda mais novos - enquanto Alex e o príncipe Henry estão na faixa dos 20 e poucos anos, Charlie e Nick, de Heartstopper, têm 16.

“Os dois têm essa leveza, de ter, entre aspas, um final feliz, sem precisar ter um gancho de muito drama ou algo meio trágico que aconteceria de muito errado no fim”, analisa Castro, que diz perceber um reflexo disso na literatura nacional. No Brasil, livros como Gay de Família, de Felipe Fagundes (publicado pela Paralela em 2022), e Arlindo, de Luiza de Souza (Seguinte, 2021), serão transformadas em filme e em série animada, respectivamente.

Quando as obras vão para o audiovisual, além de encantarem por ser algo diferente do que é visto de forma majoritária, pode atingir outros leitores, na avaliação do editor. “Vejo muitas mães lendo Heartstopper e gostando muito, porque a gente recebe o Feedback. Já Vermelho, Branco e Sangue Azul entra um pouco na literatura comercial adulta, que é consumida principalmente pelo público feminino”, acrescenta.

Essas diferenças também são apontadas pelo pesquisador Carlos Cavalcanti, da UFPE. Ele cita o caso de O Bom Crioulo, livro de Adolfo Carminha de 1895 que é apontado por muitos como um dos primeiros romances sobre homossexualidade. “A escrita do autor foi de uma forma bem mais crua no sentido de ter relações sexuais. Ele abordava de forma mais visceral. Por outro lado, uma coisa que está mais na literatura juvenil é justamente essa questão do final feliz”, diz, citando a obra Um Milhão de Finais Felizes, do autor brasileiro Vitor Martins.

Streaming

Não é por acaso que filmes e séries que abordam diversidade sexual e de gênero estejam principalmente nas plataformas de streaming. A razão por trás disso está conectada a um movimento que começou com os canais de TV a cabo na década de 1990 e que tem a HBO como uma das lideranças. Enquanto os canais por assinatura falavam de sexualidade, os canais da televisão aberta nos Estados Unidos eram responsáveis por produções para toda a família, como explica a pesquisadora Kellen Xavier, doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que estuda adaptações para o audiovisual, gênero, sexualidade e ficção para jovens.

“O streaming é meio que herdeiro da TV a cabo nesse movimento das últimas três décadas entre diversidade e qualidade. A TV aberta era considerada produto de baixa qualidade e a TV a cabo e os streamings vinham com essa lógica de que eram melhores, colocando diversidade nas produções”, explica, citando o caso de The L World, série que estreou em 2004 e era centrada nas histórias e relacionamentos de mulheres lésbicas e bissexuais. A produção era justamente do Showtime, grande concorrente da HBO na época.

Além disso, até o consumo da literatura para jovens adultos no Brasil também carrega um pouco da tradição estadunidense. Por muito tempo, no Brasil, a chamada literatura infantojuvenil era mais associada à literatura escolar até o ensino fundamental. É nos Estados Unidos que começa o movimento que dá origem à chamada literatura jovem adulto (por vezes chamada pela sigla em inglês, YA, referente a young adult). Nessa faixa, começam a crescer protagonistas adolescentes ou no início dos 20 anos.

“Os streamings são transnacionais. A gente pensa no Brasil, que tem uma certa liberdade de discurso, mas é muito interessante que esses produtos cheguem a locais onde essa liberdade de discurso não existe, onde é proibido ou até redes de televisão são proibidas”, diz.

Apesar disso, de acordo com Xavier, existe uma tendência crescente a associar LGBTQIA+ a “gay” ou com protagonistas homens. Segundo ela, séries com protagonistas lésbicas ou com outras letras tendem a não ter tantas temporadas ou a mesma repercussão. “Mas é muito interessante que a gente tenha conseguido essa abertura. Hoje, vejo que esse público jovem olha com bastante estranhamento quando você apresenta uma ficção que não tem pessoas que não sejam brancas e que não sejam de um eixo anglófono”, pondera.

Assim, não é difícil pensar em exemplos de livros dos anos 2010 que não estavam preocupados com diversidade, mas, agora, sendo adaptados para streaming, incluam diversidade nas produções audiovisuais. Um dos exemplos em que isso acontece é em O Verão que Mudou Minha Vida, série baseada nos livros de mesmo nome de Jenny Han e que teve a segunda temporada disponibilizada no Prime Video em julho.

Lançados originalmente em 2009, os livros tinham um triângulo amoroso com todos os integrantes sendo heterossexuais. Já quando o Prime Video liberou a primeira temporada, no ano passado, um dos protagonistas, Jeremiah, passou a ter a sexualidade fluida. Na ocasião, a autora Jenny Han afirmou que, se fosse escrevê-los hoje, teria tomado essa decisão.

“Essa fluidez da sexualidade deveria ser considerada muito comum na adolescência, que é de descobertas. É um período que entende a diversidade como muito mais natural, porque a sexualidade pode mudar ao longo da vida e são abordagens muito válidas. Você realmente vê o interesse por pessoas diferentes e abre também o espaço para lidar com a não-binariedade e a transexualidade”, avalia a pesquisadora Kellen Xavier.

Na mesma O Verão que Mudou Minha Vida, a segunda temporada traz Skye, personagem não-binária que não existe nos livros. Algo semelhante aconteceu com a adaptação brasileira de De Volta aos 15, produzida pela Netflix com base nos livros de Bruna Vieira. Enquanto na série literária a personagem Camila só existe na vida adulta da protagonista e é uma mulher cisgênero, no audiovisual, ela surge também na adolescência e se descobre como uma mulher trans.

Ainda assim, a maioria dos exemplos são estrangeiros - especialmente dos Estados Unidos. “Esses produtos também distribuem a visão dos Estados Unidos de diversidade. Vai ser a partir do ponto de vista deles. É a mesma coisa com a diversidade racial. Existem movimentos negros muito fortes nos Estados Unidos e, quando se fala em diversidade racial, eles vão abordar mais fortemente a questão das pessoas negras e talvez não tenha tanto de pessoas indígenas, por exemplo. Talvez seja algo que, no Brasil, a gente converse mais”, acrescenta a pesquisadora Kellen Xavier.