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Roberto Midlej
Publicado em 4 de setembro de 2025 às 14:13
Em 2017, a cantora e compositora baiana Lívia Mattos lançou seu primeiro álbum, Vinha da Ida, que, para a cantora, tinha um tom “solar”. Cinco anos depois, foi a vez de Apneia, de sonoridade mais “denso”, para Lívia. Agora, chega a vez de Verve, que, para a artista, é um meio-termo entre os trabalhos anteriores: “Não tinha a intenção de que os três álbuns formassem uma trilogia, mas, no processo de gravação, descobri que é mesmo uma trilogia. Verve é um equilíbrio entre os dois discos anteriores, traz elementos dos meus dois trabalhos anteriores”, diz Lívia. Até o tom da capa do novo álbum está no meio do caminho entre os discos anteriores: “O primeiro era azul e o segundo, cinza. Eram mais ‘frios’. Agora, é vermelho”, diz a cantora. >
Em Verve, Lívia tem a participação de duas colegas internacionais: a indiana Varijashree Venugopal - que está na faixa que abre o disco, Caucaia - e a senegalesa Senny Camara, que canta na faixa seguinte, Ndoukahakro. “São mulheres que representam a cena de que faço parte. As duas são instrumentistas e usam a voz como instrumento. Nós três dialogamos com nossas raízes”, revela Lívia. A compositora diz que concebeu a canção de uma maneira diferente daquela que costuma fazer: “Eu estava sem sanfona e estava fazendo um trabalho de pesquisa no Ceará, nos circos de lá. Tava sem instrumento e me veio a ideia quando eu estava em Caucaia, aí fui gravando no celular”. Varijashree Venugopal, que participa da faixa, já havia gravado com outro artista brasileiro, Hamilton de Holanda, uma versão da canção Oceano, de Djavan.>
Ndoukahakro, a segunda faixa, foi composta por Lívia quando ela estava na Costa do Marfim, numa aldeia que tem o mesmo nome da música, na cidade de Abidjan. “Tinha ido a um festival e fiquei emocionada quando fui a essa aldeia. Chorei e compus para eles. Queria a participação de uma mulher que tocasse corá [instrumento de cordas da África Ocidental]. Ela gravou à distância e a conheci mais tarde, em Paris, quando tocamos juntas”, diz Lívia. >
Em tempos em que muitos artistas se queixam da dispersão do ouvinte, Lívia ousa ao gravar cinco faixas que chegam bem perto dos cinco minutos de duração. “Não sei se consegui segurar a atenção do ouvinte, mas eu vou na vocação do que queremos fazer com a música, enquanto estamos na pré-produção e no estúdio. Faço com liberdade! [O disco] Vinha da Ida é mais comportado nesse sentido”, brinca a compositora.>
Para a produção de Verve, Lívia convocou Alê Siqueira, que havia produzido o primeiro álbum dela. Outro que está de volta é Paulim Sartori, que foi produtor de Apneia e agora divide o posto de direção musical com a própria Lívia. “Alê Siqueira é produtor de 200 discos que adoramos: já produziu Tribalistas, Marisa Monte, Carlinhos Brown…”, observa a cantora. >
Ela também volta a trabalhar com Jefferson Babu (tuba) e Rafael dos Santos (bateria). “Estamos juntos há uns três anos, maturando a formação do trio. Nós fizemos turnês pelo Canadá e Europa e fomos desenvolvendo um som específico de uma maneira que hoje eles não podem ser substituídos. “Cada um de nós é de um lugar: eu, da Bahia; Rafael, de Brasília; Jefferson, de São Paulo. Então, trazemos esses sotaques diferentes para nosso som”, afirma a compositora.>
Novamente, a sanfona está muito presente no trabalho de Lívia, que começou a tocar o instrumento praticamente há 20 anos, quando tinha em torno de 18. “Uma tia minha tinha uma sanfona e eu disse a ela que queria o instrumento de herança, quando ela morresse. Ela disse que, para não agourá-la, ia me dar logo. Aí, comecei a tocar no Circo Picolino, onde eu me tornei artista”, lembra. Muito associada a homens, a sanfona vem de um universo machista, reconhece Lívia: “Mas não é só na sanfona. A música é um cenário machista. Ser sanfoneira é um ato de resistência: na minha proposta, sou meio caótica, fico nesse lugar de improvisação e busco romper barreiras”.>