Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Luiza Gonçalves
Publicado em 1 de julho de 2024 às 09:16
Fetiche, novo EP do rapper baiano Baco Exu do Blues, já disponível nas plataformas de streaming, propõe um mergulho nos desejos íntimos e na relação dos corpos negros com a sexualidade. Sonoridades suaves e letras incisivas, que, junto aos conteúdos audiovisuais que acompanharam o lançamento do projeto, incitam um olhar ao fetiche enquanto objeto de poder, construtor de imaginários e detentor da liberdade. >
Em entrevista ao CORREIO, Baco explica que Fetiche parte de um lugar de desconstrução da animalização dos corpos negros, especialmente dos homens negros. Ele menciona que o processo de pesquisa passou pelo racismo científico e por questões religiosas que associavam pessoas negras a almas impuras, vistas apenas para o trabalho físico, chegando à hipersexualização dos corpos negros e suas consequências opressivas. “É um agente que nos poda. Vira uma repressão no seu imaginário, de você entender a possibilidade de outra pessoa te desejar”, pontua o rapper.>
Além disso, Baco expressa seu desconforto pessoal com a redução de sua identidade a um único aspecto: “Eu ficava incomodado com essa parada, de pensar que, com todas as qualidades que eu posso ter e criar para mim, eu sempre vou ser resumido a uma coisa só”, desabafa. >
Em Fetiche, ele pretende desafiar e redefinir essas percepções: “Essa é a minha resposta. Falar sobre sexo de uma forma bonita, bem escrita e com várias camadas. Você me coloca nesse lugar de só sexo e eu consigo transformar sexo em várias coisas; não estou onde você determina. Ao mesmo tempo, também é uma provocação. O público está saturado num lugar de ‘corpos negros têm que falar disso’, que mostra um fetiche que as pessoas têm de nos ver num lugar de miséria e violência. Estou falando sobre sexo e fetiche, desconstruindo a palavra e jogando a isca. Sabia que no momento que eu lançasse o EP, as pessoas iam me colocar no lugar de ‘Ah, Baco só fala sobre sexo’. Isso não é verdade, mas é justamente o que se é condicionado a pensar”, declara.>
Músicas suaves >
O EP possui sete faixas e marca a prévia do próximo álbum de estúdio do cantor, que já está em desenvolvimento. Baco define Fetiche como um dos seus trabalhos mais divertidos, por sua identidade sonora, que é marcada por músicas suaves, variadas nos instrumentos de percussão e cordas, samples e coros de vozes femininas, em que as canções são encadeadas sequencialmente. Ele compartilha ainda a alegria em se lançar cada vez mais no canto: “Mesmo sendo um lugar que eu não domino 100%, eu me divirto em tentar me arriscar e tenho gostado bastante. Acho que encontrei uma voz muito legal nesse EP, diferente dos outros trabalhos, com um grave diferente”.>
Nas letras, as temáticas partem de uma reafirmação do eu, seguindo para a relação com o outro, as conexões sexuais e emocionais descritas com imagens, gostos, cheiros e toques. “Me orgulho bastante da caneta deste EP, tem grandes momentos e passagens que eu acho que as pessoas vão descobrir o significado com o passar do tempo”, afirma o rapper. Como canção favorita, ele elege a faixa de encerramento Sodade, que ousa nos ritmos numa “vibe que é 100% fora do rap”, diz. Outro destaque é Pausa de sua Tristeza, com a participação da cantora Liniker.>
Cada faixa é acompanhada de um visualizer no YouTube que explora o universo da sexualidade na pluralidade de corpos, cortes, vestimentas e elementos cênicos. O visualizer é uma sequência de elementos gráficos que acompanham a música, como se fosse um videoclipe, mas com roteiro e produção mais simples. >
“Apesar desse lugar racializado e das camadas que falamos, quando você chega no imagético e vai para esse lugar de fetiche, a primeira coisa que você pensa quando olha os visualizers não é sobre isso. É essa a brincadeira. Meio que ludibriar as pessoas, trazer elas para o mundo onde não existe nada disso e que a brisa é qual a sua vontade, viva do jeito que você quiser”, sinaliza Baco.>
Fetiche ganhou ainda um curta-metragem de 12 minutos que leva ao nome do EP e é dirigido por Camila Cornelsen. O curta apresenta as canções do EP e uma narrativa centrada na perspectiva de uma mulher branca, sobre o desejo e representações de fetiche, que envolve o próprio Baco, presente em cena. As ações da personagem podem gerar um sentimento dúbio em relação às suas reais motivações, ao modo como ela vê e pensa os corpos presentes. E a ideia é essa, defende Baco: “Abre leque para possibilidades e levanta o debate. Se você não levanta debate, está fazendo qualquer coisa menos arte”.>