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Roberto Midlej
Publicado em 2 de setembro de 2025 às 08:00
O escritor e jornalista baiano Fernando Vita, 76 anos, é daqueles que consegue tratar tudo com irreverência. Até mesmo um regime militar. Não é que para ele o assunto não seja grave, mas encontrar graça mesmo nos momentos trágicos pode, sim, ser uma virtude. E é isso que vemos no novo livro do autor, 1964 - O Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro (Geração/312 págs./R$ 89), que ele lança no próximo dia 11, às 18h, na Livraria Escariz do Shopping Barra. >
O romance se passa em Todavia, uma pequena cidade de 11 mil habitantes no Recôncavo Baiano, e começa às vésperas do golpe militar. Vita considera o livro uma tragicomédia: “É uma sátira, uma hilária forma de contar uma coisa que não tem nada de hilária. E no livro falo dos dias que precederam e sucederam o golpe, a partir de uma visão de uma comunidade de 11 mil habitantes”.>
O romance mostra como a chegada do Capitão Ludovico - encarregado de criar um tiro de guerra em Todavia em 1964 - afeta o cotidiano da pequena comunidade. “Ele vê um comunista em cada esquina e, quando ‘poca’ o golpe, é dos últimos a saber. Mas, ainda assim, se assume como uma autoridade revolucionária. Aí, começa a enquadrar todo mundo, incluindo o prefeito, o padre e o presidente da Câmara de Vereadores”, resume Vita.>
momento atual>
Nascido em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, Vita diz que Todavia tem características de sua cidade natal: “Todavia é, mas, ao mesmo tempo, não é Santo Antônio, por uma razão simples: tudo o que trago na cabeça vem das melhores memórias que tenho de lá e as lembranças mais absurdas que tenho vêm de lá”. O escritor viveu até os 15 anos na cidade do interior e, quando estourou o regime, mudou-se para Salvador, para cursar o antigo ginásio, hoje classificado como ensino fundamental II.>
Para Vita, toda tentativa de ruptura tem um lado histriônico, o que permite que seu livro ganhe esse tom farsesco, por vezes absurdo. “Sempre tem uma trapalhada nesses golpes. Veja o que aconteceu no 8 de janeiro [de 2023, quando houve a invasão ao Congresso]: teve gente que fez cocô no Congresso e tem aquela história da mulher do batom”, lembra Vita. O escritor, embora faça menção ao 8 de janeiro na conversa com o CORREIO, faz questão de dizer que o livro estava planejado bem antes disso. >
“O livro já era para ter sido publicado em 2024, mas, por razões que fogem do meu controle, só está saindo agora. Só na contracapa é que fazemos menção ao momento atual do Brasil”, diz Vita. No trecho a que se refere, ele diz que o Brasil, por pouco, se livrou de replicar suas antigas tragédias, “sob a ardilosa inspiração e a batuta de um outro capitão tão parvo, tosco e aluado quanto o que um dia chegou a Todavia”.>
Vita tem lembranças de como o regime militar afetou sua vida, mesmo tendo apenas 15 anos de idade e não sendo, na época, um ativista político. O episódio confirma a ideia do escritor de que rupturas democráticas têm, realmente, um caráter histriônico: dias após a instauração do regime militar, Vita saiu com uns amigos pelas ruas de Santo Antônio de Jesus, tocando tambor. Foi o bastante para que um representante do tiro de guerra proibisse a brincadeira dos meninos, achando que se tratava de um protesto, lembra o escritor: “A gente só batia tambor porque não tinha nada para fazer. Em vez de tocar tambor, a gente podia estar jogando futebol ou roubando coco. Não tinha nada de protesto”, ri o autor.>
Sempre com linguagem coloquial e divertida, o livro ‘pega’ o leitor sem dificuldades. Numa rápida conversa com Vita, percebemos que ele não escreve muito diferente da maneira como fala e não tem o menor pudor em usar palavrões ou recorrer a um vocabulário impoluto, como se vê no título, quando se refere ao “pum” do maestro. Provavelmente, a irreverência característica ele herdou do avô italiano Giuseppe, vindo da Basilicata, região pobre do sul da Itália. “Ele veio para o Brasil depois da Primeira Guerra, ainda garotão, aos 18 ou 19 anos. Já velhinho, gostava de ópera e de ler. Tinha, ao modo dele, uma característica muito própria: sempre peidava em forma de protesto contra algo que o aborrecia”.>
LIVRO>
1964 - O Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro >
Autor: Fernando Vita>
Editora: Geração >
Preço: R$ 89 | 312 págs. E-book: R$ 42>