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Quem criou o Pão Delícia? Justiça decidirá quem é a verdadeira mãe do pãozinho inventado na Bahia

Livro que será lançado na próxima segunda-feira (15) provoca briga pela maternidade da iguaria baiana

  • Foto do(a) author(a) Ronaldo Jacobina
  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 12:00

Pão delícia com recheio Crédito: Fotos: Marina Silva/Correio

Patrimônio da culinária baiana, o Pão Delicia está no centro de uma disputa pela sua maternidade. De um lado, a baiana Elíbia Portela, que ao longo dos mais de 50 anos atuando como culinarista, é reconhecida como sua inventora. Do outro, a família Abud que atribui a esta famosa criação que ganhou o mundo, à dona Laila Eliazigi Abboud, já falecida. Tudo começou com a circulação, ainda restrita a alguns profissionais de imprensa, do livro A História Por Trás da Criação do Pão Delícia, cujo lançamento está previsto para a próxima segunda-feira (15), no Palacete Tirachapeu. Na obra, uma singela homenagem de sete filhos à memória de sua mãe, os autores, no caso os próprios filhos de dona Laila Eliazigi Abboud, contam ser ela a inventora da iguaria.

Na contracapa lê-se: “... Laila era pura paixão pelo que fazia, mas também tinha o dom dos grandes cozinheiros. Foi assim que modificou uma receita que aprendeu em um curso de culinária e criou o Pão Delícia, o seu maior sucesso”. Já no capítulo 8, a história é ampliada e adquire mais protagonismo por ser o Pão Delícia, segundo os autores, a iguaria responsável por grande parte dos ganhos da família. Segundo o livro, dona Laila chegava a fazer três mil pães por dia, para atender a encomenda de uma rede de supermercados. 

Pão delícia coberto de queijo 

O curso ao qual o livro se refere, segundo Elíbia Portela, seria o seu curso de culinária onde ensinou a milhares de pessoas, inclusive dona Laila, a fazer o pão que ela criou aos 9 anos de idade. “Eu ficava do lado de minha mãe quando ela cozinhava e aproveitava as sobras para fazer meus quitutes. Foi de uma dessas sobras que ela descartou, e que eu resgatei pra mim, que nasceu o pão, que mais tarde, de tanto ouvia das pessoas ser uma delícia, acabei batizando de Pão Delícia”, afirma.

Elíbia lembra que dona Laila frequentou mais de um dos cursos que ela ministrou presencialmente. “Lembro muito dela, era muito reservada, mas atenta a tudo”, conta a professora que também ensinou suas receitas pela tela da TV, onde apresentou o primeiro programa de culinária da Bahia, durante muitos anos, e que até hoje segue ensinando suas receitas na internet.

Latif Abud, o quinto dos sete filhos de dona Laila, diz que a família estranhou quando recebeu uma notificação extrajudicial exigindo a suspensão de toda e qualquer divulgação, comercialização, anuncio, distribuição, impressão de qualquer obra, livro ou material promocional que atribua à criação do Pão Delicia a qualquer pessoa diversa a Elíbia Portela, a criadora do dito cujo. “Ficamos surpresos com a atitude dela, porque ela e minha mãe eram amigas. Ela sempre soube que minha mãe fazia o Pão e nunca contestou isso”, diz.

Segundo ele, a notificação é despropositada, já que sua família não quer, nem nunca quis se apropriar de marca nenhuma. “Nossa intenção com o livro foi fazer uma homenagem à dona Laila, nossa mãe. Uma mulher maravilhosa, que nos deu e nos dá muito orgulho de sermos seus filhos. Com seu talento e sua garra, formou sete filhos, cinco deles engenheiros, em universidade federal”, conta.

Pão delicia de festa

A afirmação de Latif é endossada pelo irmão Paulo Abud, o caçula de dona Laila, que ressalta que a publicação será sequer comercializada, e que nem ele, nem nenhum de seus irmãos, estão interessados na marca, nem em qualquer outra coisa de interesse comercial, apenas celebrar sua mãe que partiu há cerca de cinco anos. “O que queremos e que faremos, com toda certeza, é a homenagem a nossa mãe, na próxima segunda-feira, com a festa de lançamento do livro que foi feito com o objetivo de passar para os nossos descendentes o legado que ela deixou”, diz.

Latif Abud reitera que os irmãos não têm intenção de entrar em briga, mas que estão preparados para enfrentar o que vier pela frente. “Temos registro da empresa de minha mãe que há mais de 50 anos tinha como denominação a produção de pão, além de várias outras provas”, explica, ressaltando que também já acionaram um advogado e que contrataram uma autoridade em patentes para ir mais fundo na história. Segundo ele, a família segue observando os acontecimentos, sem desviar o foco do sentido maior de tudo isso; a homenagem a sua mãe. “Estamos tranquilos, mas preparados para o caso de vim chumbo-grosso, porque aí devolveremos na mesma ‘dosimetria’”.

Justiça

“Nunca na minha vida imaginei que o Pão Delícia me daria uma contrariedade dessas”, lamenta Elíbia, afirmando que decidiu se manifestar porque, caso calasse, passaria por mentirosa. “A Bahia inteira sabe que fui que criei o Pão Delícia, como é que agora aparece outra autoria? Não podia me calar, até porque a marca Pão Delícia já está registrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)”, diz. A culinarista afrim que não gostaria de entrar numa briga. “Quero a reparação desse equívoco, dessa inverdade, por isso optei por solicitar ao meu advogado que encaminhasse, inicialmente, uma notificação extrajudicial aos responsáveis, para evitar levar o caso diretamente à Justiça”, explica.

De acordo com seu representante legal, Elíbia Portela é a autora original da receita do Pão Delícia, fato este reconhecido historicamente, amplamente documentado e reiterado pela própria comunidade gastronômica. “Além da autoria da receita, minha cliente é também titular da marca Pão Delícia, registrada perante o INPI, o que lhe confere exclusividade legal de uso e proteção contra apropriações indevidas, conforme a Lei de Propriedade Industrial”, afirma o advogado Sergio Nunes, do escritório Kruschewsky & Nunes Ribeiro.

A questão do registro de propriedade o qual a denunciante se refere, segundo Paulo Abud, foi feito recentemente e que ainda não tem sequer o número de registro oficial, mas de um protocolo. “Descobrimos que o registro da marca foi feito agora em setembro último, ou seja, há três meses apenas, e que este foi feito em nome de uma terceira pessoa, creio que talvez alguém de sua família, com o nome de Pão Delícia da Bahia. Repare que estranho!”, conta.

O advogado da autora da notificação acrescenta que “qualquer tentativa de atribuir a criação do Pão Delícia a terceiros, especialmente por meio de obras que apresentem essa narrativa como fato, configura violação de direitos de personalidade, usurpação de autoria e infração marcária, gerando responsabilidade civil e penal. Nossa atuação visa apenas preservar a verdade histórica, proteger a integridade da marca e coibir a divulgação de conteúdo inverídico que possa induzir o público a erro”, conclui.

A polêmica chega, coincidentemente, num momento em que o pãozinho, como é carinhosamente chamado pelos baianos, está em vias de ser tombado como patrimônio imaterial da Bahia. Fartamente difundido durante décadas como sendo de autoria de Elíbia Portela - como consta inclusive no Projeto de Lei (PL nº 26.043/2025), do deputado estadual Paulo Câmara, que está em tramitação na Assembleia Legislativa da Bahia, para se tornar um Bem Cultural e Imaterial da Bahia, o parlamentar reforça a autoria. “O paõzinho delícia é uma iguaria genuinamente baiana, criada por Elíbia Portela, em Salvador”, diz o texto do PL. Ainda que o tombamento tarde, que não venha, ou que não se encontre nunca a verdadeira mãe desta deliciosa invenção, o Pão Delícia continuará sendo, vitaliciamente, um patrimônio gastronômico dos baianos.