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Roberto Midlej
Publicado em 2 de outubro de 2023 às 06:00
Houve um tempo em que os "sodomitas" - palavra hoje de cunho preconceituoso e pejorativo para se referir aos gays - eram equiparados aos piores tipos de criminosos em Portugal. E aos que fossem condenados por tal "crime", só havia duas possibilidades: ou eram queimados na fogueira ou eram mandados para as colônias, incluindo aí o Brasil. >
E um desses condenados a vir para terras brasileiras - mais especificamente, soteropolitanas - foi Luiz Delgado, que, segundo registros, chegou à Bahia em 1669, degredado por sodomia. Foi na existência deste personagem que o escritor e diplomata Alexandre Vidal Porto, nascido em São Paulo, se baseou para escrever seu quarto e mais recente romance, Sodomita (Companhia das Letras/ 156 págs./ R$ 70).>
O autor, diplomata há 34 anos, estreou na ficção em 2005, com Matias na Cidade, pela editora Record e em seguida reeditado pela Companhia das Letras. Nos dois livros seguintes, também criou histórias passadas contemporaneamente. Mas a história de Luiz Delgado tanto interesse em Alexandre, que ele topou o desafio de se transportar para o século XVII. Na viagem no tempo, até criou uma linguagem "própria", que ele classifica como um pastiche do idioma da época.>
Pastiche de um português arcaico>
Por isso, volta e meia, o leitor vai se deparar com expressões meio arcaicas e frases um tanto rebuscadas. Ao descrever o o esforço do protagonista para manter-se longe da tentação carnal, Alexandre escreve: "Luiz Delgado vinha cumprindo seu degredo havia anos, tentando permanecer fiel à Santa Igreja, pelejando para manter seu compromisso de não pegar carnalmente no nefando". Mas, como tudo não passa de uma brincadeira - muito bem feita -, o leitor vai se divertir com isso, que dá um tom irônico ao livro. Afinal, Alexandre não fez uma pesquisa aprofundada sobre o português do período.>
Como o escritor consultou documentos da época para conhecer o personagem, acabou absorvendo com certa naturalidade um pouco da linguagem do século XVII: "Já fui advogado, então peguei um pouco da linguagem jurídica. Peguei também alguns termos do interior do país, mas a linguagem não tem um comprometimento com a linguagem real do período".>
Delgado>
Alexandre conheceu a história de Luiz Delgado através do amigo baiano Luiz Mott, antropólogo, historiador e ativista de direitos LGBTQIA+. No auge da pandemia de covid, no final de 2020, o escritor estava voltado para um outro livro, que acabou abandonando temporariamente. >
Alexandre Vidal Porto
escritorLuiz então mandou para Alexandre um dicionário dos sodomitas baianos perseguidos pela Inquisição e foi ali que o romancista viu o verbete sobre Luiz Delgado. No dia seguinte, Mott enviou alguns artigos e em um deles havia o capítulo de um livro apenas sobre o protagonista de Sodomita. No processo de pesquisa para ambientar a história, Alexandre usou A Casa no Brasil, livro de um outro baiano, Antônio Risério.>
E foi a partir daí que o escritor mostrou a veia de romancista, imaginando como foram os dias de Luiz Delgado em Salvador, já que não há registros sobre o cotidiano dele, mas apenas documentos relacionados ao processo de degredo. E Alexandre assume que o resto ele inventa sem compromisso com a história: "Não sou historiador e, como havia lacunas, eu inventava. Portanto, é uma obra de ficção e não de historiografia", assume.>
Muitos personagens, no entanto, como Delgado, são reais, incluindo aí Florência, que foi esposa dele, num casamento arranjado - e conveniente para os dois - para agradar o padrinho da noiva, que à beira da morte, pediu ao protagonista que casasse com ela.>
Alexandre Vidal Porto
escritorO autor, que hoje é cônsul-geral em Amsterdam, na Holanda, aproveitou as férias para cumprir agenda de lançamento do livro em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Salvador, apesar da importância para o livro, por enquanto, está de fora, devido à correria. "Retorno ao Brasil em dezembro e quero ir à Flip. A depender de como for a repercussão do livro, faço uma segunda leva de lançamentos e Salvador está na primeira fila", assegura o escritor.>