'Me fizeram ameaças – de morte, inclusive', diz Antonio Risério

Antropólogo lança livro 'Mestiçagem, Identidade e Liberdade' nesta quarta-feira (9)

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Publicado em 8 de agosto de 2023 às 06:00

Antonio Risério
Antonio Risério Crédito: Foto: Sara Victória/divulgação

Com mais de 20 livros publicados e atuando também como colaborador de jornais, o antropólogo, ensaísta e historiador baiano Antônio Risério tem colecionado polêmicas, especialmente quando trata de questões raciais.

Em janeiro do ano passado, foi alvo de ataques vindos de intelectuais e militantes de esquerda, quando escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo intitulado Racismo de Negros Contra Brancos Ganha Força com Identitarismo.

Mais de 180 jornalistas do diário paulista assinaram em seguida um manifesto em que acusavam o jornal de publicar conteúdos considerados racistas. Em reação, quase 800 pessoas assinaram uma resposta em apoio a Risério, em que afirmavam fazer "um apelo para que sua livre expressão seja respeitada".

Sem receio de ser intimidado e criticado, Risério volta à questão racial em seu novo livro, Mestiçagem, Identidade e Liberdade, que será lançado nesta quarta-feira (9), às 18h, no Poró Restaurante e Bar, no Santo Antônio Além do Carmo. "Me fizeram muitas ameaças – de morte, inclusive. Mas podem tirar o pangaré do aguaceiro", diz Risério nessa entrevista ao CORREIO.

Roberto Mangabeira Unger - filósofo e por duas vezes ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil -, faz no texto de apresentação do livro críticas ao identitarismo, ao qual Risério também é crítico: "O que temos aqui é mera cópia do que foi produzido pela esquerda cultural norte-americana", afirma Risério.

Para começar, vamos com uma pergunta um pouco "genérica", mas essencial para entender o que é o livro: o que é a mestiçagem?

Distingo entre miscigenação e mestiçagem. Miscigenação se refere, única e exclusivamente, ao cruzamento genético. A mestiçagem só acontece quando se dá o reconhecimento social pleno da miscigenação. Por exemplo: nos Estados Unidos, o mestiço não existe socialmente, o pardo ou mulato não é reconhecido como tal. No Brasil, ao contrário, o mestiço sempre foi reconhecido socialmente como tal e sempre tivemos palavras para designá-los. Ou seja: os Estados Unidos são um país que só conhece a miscigenação. O Brasil vai além, chegando ao patamar da mestiçagem.

Roberto Mangabeira Unger diz, no texto de abertura, que "somos o país em que tudo se mistura com tudo. Entre nós, o sincretismo é ao mesmo tempo o problema e a solução". O senhor fala sobre isso no livro? Concorda com a afirmação final dele ('o sincretismo é ao mesmo tempo o problema e a solução')?

No texto de apresentação de “Mestiçagem, Identidade e Liberdade”, Mangabeira só se refere a temas e problemas que são analisados e discutidos no livro. E toma partido, concordando com a minha posição. No caso específico do sincretismo, também concorda comigo. Para dar apenas um exemplo, veja o campo religioso. Ao recusar as misturas culturais, o poder puritano branco escorraçou os deuses africanos dos Estados Unidos. O contrário mesmo do que ocorreu no Brasil e em Cuba, por exemplo. Costumo dizer que, se tivesse acontecido no Brasil e em Cuba o que aconteceu nos Estados Unidos e na Argentina, não teríamos hoje um só orixá em toda a extensão continental das Américas.

Muitos dizem que o Brasil está entrando numa guerra identitária que tem como modelo. O senhor, que faz críticas ao identitarismo, concorda com isso?

O que temos aqui é mera cópia do que foi produzido pela esquerda cultural norte-americana. É a mesma vocação mimética de nossos letrados e semiletrados. Copiam cegamente princípios ideológicos criados nos Estados Unidos. Copiam tolices autoritárias como “lugar de fala” (na matriz norte-americana se diz “falando como x”) ou cretinices pseudossociológicas como “racismo estrutural” (da “critical race theory”) e as apresentam aqui como se fossem criações locais. É ridículo. E totalmente alienado.

Uma das críticas que se fazem ao identitarismo é que há uma preocupação muito grande com simbolismos - como o uso da linguagem neutra - e os problemas mais "concretos" acabam ficando em segundo plano. O que o senhor acha disso?

O identitarismo é grupocêntrico, fragmentador. Promove a guetificação dos diversos segmentos sociais. Com isso, perde a percepção global da sociedade. Abole também as classes sociais, o que faz com que o movimento seja patrocinado pela classe dominante, dos banqueiros do Itaú-Unibanco à elite midiática nacional. Aliás, é engraçado: o identitarismo hoje é o discurso do poder, mas os identitaristas fingem que são contestadores, subversivos. Quanto à linguagem, o que temos é uma tentativa de instrumentalização ideológica da língua, querendo obrigar a sociedade a adotar o discurso deles. Ou seja: ao projeto da ditadura do pensamento único, tenta-se sobrepor também uma ditadura linguística.

O senhor se considera "cancelado" depois de algumas discussões em que se envolveu? Como é a sua rotina, por exemplo, na universidade, depois da experiência de ser cancelado? Em algum momento se sentiu intimidado em sala de aula ou por colegas? Já se autocensurou?

Não sou professor universitário, nunca fui... Quanto ao “cancelamento” é um expediente truculento de intimidação política e cultural. Como diz a psicanalista Elizabeth Roudinesco, o identitarismo substitui o argumento pelo insulto. É um movimento inimigo de qualquer diálogo. Funciona na base do ataque e da violência e, como se tornou hegemônico, submete as pessoas pela coerção ideológica e mesmo pela agressão física. Daí que a autocensura hoje seja maior do que na ditadura militar, com todas as nefastas consequências políticas e culturais disso. Me fizeram muitas ameaças – de morte, inclusive. Mas podem tirar o pangaré do aguaceiro. Vou continuar discutindo, de forma clara e honesta, tudo que diz respeito à minha gente e ao meu país.

Qual a diferença entre "identidade" - que aparece no título do livro - e identitarismo?

O conceito pleno, global, acentua o caráter múltiplo da identidade. O conceito identitarista, ao contrário, é monolítico. Dou um exemplo. Tome-se uma pessoa que é, ao mesmo tempo, escritor, homossexual, cristão e ambientalista. Ela tem várias identidades simultaneamente. O identitarismo elege apenas uma dessas identidades – a de homossexual, claro, já que colocam sexo e raça acima de tudo – e reprime as demais. Daí que o pensador indiano Amartya Sen diga que o identitarismo produz uma espécie de “miniaturização” das pessoas.

Lançamento do livro Mestiçagem, Identidade e Liberdade

Autor: Antonio Risério

Local: Bar e Restaurante Poró (Sto Antônio Além do Carmo)

Quando: quarta-feira (9), 18h

Preço : R$ 62 (365 páginas), no site www.topbooks.com.br