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Doris Miranda
Publicado em 19 de novembro de 2025 às 06:00
Num primeiro momento, o espectador tem a impressão que as histórias contadas no drama poético O Filho de Mil Homens, filme de Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs e Turma da Mônica: Laços), que estreia hoje na Netflix, são independentes, ligadas apenas pela localização geográfica, um vilarejo muito modesto no litoral brasileiro. Mas, ao sermos apresentados ao pescador Crisóstomo (Rodrigo Santoro), ao órfão Camilo (Miguel Martines), às vítimas de preconceito Francisca (Juliana Caldas) e Antonino (Johnny Massaro), e, finalmente, à silenciada Isaura (Rebeca Jamir), percebemos que o pano de fundo é um só: a pressão exercida pela sociedade para que nos ajustemos às suas expectativas. >
A produção, que adapta a obra literária do escritor português Valter Hugo Mãe, aborda várias questões urgentes da contemporaneidade como capacitismo, homofobia, racismo, machismo e o que é ser uma família. A história começa com a vontade de Crisóstomo de ter um filho. Do nada, vemos Camilo ficar órfão e ser ‘adotado’ pelo pescador caladão. Pula para a gravidez revelada por Francisca, uma solteirona que sofre de nanismo e vira alvo das fofocas da ‘comadres’ da cidade. Sobretudo porque ela revela que não sabe quem o pai do bebê.>
Veja fotos de O Filho de Mil Homens
Na casa de Antonino também existe uma questão: a mãe beata não aceita sua homossexualidade e ele é constante alvo dos machões do vilarejo. Mesmo sofrendo nas mãos do marido, Isaura é influenciada pela mãe (Grace Passô) para manter as aparências. O público acompanha tudo isso de uma forma meio melancólica até se dar conta que já está preso nesse emaranhado de muitas tristezas e poucos diálogos. Em grande parte, com o olhar encantado pela fotografia lindíssima de Azul Serra.>
O resultado nem sempre é uniforme e o filme tem uns engasgos. Mas nunca por falta de delicadeza de Rezende, que traça um paralelo interessante entre os silêncios de seus personagens e a natureza em seu entorno. Sobretudo na atuação de Rodrigo Santoro. “O Crisóstomo é um dos personagens mais desafiadores que já interpretei. Ele é um personagem da literatura, da obra do Valter Hugo Mãe, um escritor português maravilhoso. É como se ele fosse a personificação de tanta coisa boa que a gente tem dentro da gente”, disse Santoro, na ocasião do lançamento de O Filho de Mil Homens no Rio.>
O ator comentou ainda sobre o desafio de humanizar seu personagem: “Ele tem muito a ensinar e inspirar todas as pessoas no mundo em que vivemos hoje, um mundo cada vez mais individualista, onde perdemos a capacidade de escutar e olhar para o outro. Acho que é um filme que fala muito sobre a importância do afeto, do acolhimento, do valor da família, da família que a gente nasce e da família que a gente escolhe ao longo da vida. É muito difícil um espectador não ser atravessado por esse filme poético e emocionante”.>