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Roberto Midlej
Publicado em 24 de novembro de 2023 às 05:52
Já é a terceira vez que Ney Matogrosso vem a Salvador apresentar o show Bloco na Rua, que tomará conta da Concha Acústica neste domingo (26), 19h. A primeira vez que trouxe o espetáculo ao solo baiano foi pouco antes da pandemia, em 2019, no Teatro Castro Alves, quando a turnê estava iniciando e logo depois, foi interrompida por causa da quarentena. >
Aí, voltou em setembro do ano passado, quando lotou a Concha. Sem falar que, em janeiro deste ano, Ney esteve no Festival de Verão, como convidado de Criolo. Em Salvador, o cantor de 82 anos sente-se mesmo em casa. E tem mais motivos para isso: ele viveu na cidade ainda criança, quando tinha cerca de quatro anos. >
Morava em Amaralina e diz que, embora muito pequeno, lembra de detalhes, como a senhora que vendia leite à família dele (lembra-se até do nome dela, mas o repórter confessa que esqueceu de anotar). Embora tenha boas lembranças da cidade, reconhece que há também algo traumático daquela mesma época: foi quando seu pai estava na Segunda Guerra Mundial. Filho de militar, Ney precisou enfrentar a rigidez do pai, especialmente por causa do seu comportamento transgressor. "Mas eu entendo o comportamento dele: ninguém volta impune de uma guerra", diz o cantor.>
E essa transgressão, que é uma das maiores marcas deste artista que foi revelado para o Brasil há mais de 50 anos, continua presente no palco e será testemunhada por quem for à Concha. Isso está no figurino - outra marca transgressora de Ney -, desta vez criado por Lino Villaventura, e também no repertório, que inclui, por exemplo, a pérola Homem com H, clássico do seu cancioneiro gravado em 1981 e que ele considera "um deboche" sobre a sua própria sexualidade.>
Há ainda canções que foram sucesso inicialmente na voz de outros artistas, mas que Ney decidiu dar uma cara própria, como O Beco, lançada pelo Paralamas, ou A Maçã, cantada por Raul Seixas. O critério que ele usa para escolher as músicas que canta é bem objetivo: "Para decidir o que vou cantar, pergunto a mim mesmo: 'Se você fosse compositor, você falaria isso?'. Isso já faz, de cara, uma diferença. Então, só canto coisas com que eu possa ter muita afinidade".>
Há ainda músicas menos conhecidas, de compositores pouco populares e que Ney faz questão de descobrir e revelar. Para se aproximar deles, o critério é o mesmo: "Eu me pergunto se é compatível com meu pensamento, Mas eu gravo com muita gente. Nem sei os mais recentes. Acabei de fazer com um rapaz de Curitiba, que é completamente desconhecido e o repertório dele é quase um mantra, tem quase 14 minutos. Não é comercial, não me importa".>
E este dar de ombros para o mercado é um luxo que poucos artistas podem se dar. E Ney sabe que nem sempre foi assim, mesmo para ele: "Hoje, eu sou [na prática] o meu produtor. Claro que tenho produtor, mas já me livrei dessa coisa de que os produtores mandavam. Eu era obrigado a cantar o que o Mazzolla queria. Hoje, não sou mais", diz, referindo-se ao produtor Marco Mazzolla, que produziu diversos álbuns de Ney.>
CHANTAGEM>
Embora já tenha se sentido "obrigado" a gravar algumas coisas, o cantor não se arrepende de nenhuma gravação. Mas uma dessas gravações foi feita a acusto de muita contrariedade: Telma Eu Não Sou Gay. "Gravei uma participação no disco do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados. Nós éramos da mesma gravadora e nosso diretor artítstico disse que, se eu não gravasse, ia tirar o disco deles do mercado. Chantagem escrota!". A gravação foi um sucesso, mas Ney diz que não a gravaria num disco próprio. "Não sentia como algo meu", diz o cantor.>
A música era uma paródia de Tell Me Once Again, da banda Light Reflections, brasileira apesar do nome em inglês. Bem humorada, como a já lembrada Homem com H. Ney, aliás, sempre gostou de tirar sarro dele mesmo, basta lembrar de suas aparições no programa dos Trapalhões, quando Renato Aragão o imitava. "Eu ia todas as vezes que me chamavam, eu adorava fazer! Mas as pessoas diziam 'ah, eles estão debochando de você!'. Mas não estavam Renato era um humorista. Estava fazendo na dele. Eu adorava e ria muito".>
Com a agenda de shows cheia pelo menos até março do ano que vem, Ney não teve tempo ainda para pensar no próximo álbum e nem tem planos de lançamento. "Estou na fase de anotar e ouvir músicas. Começo anotando e depois tudo pode mudar". Mas as viagens não o cansam, assegura: "Hoje trabalho mais que antes e não canso mais que em outra época. Agenda cheia, muitas viagens. Mas eu gosto!".>
SERVIÇO>
Artista: Ney Matogrosso>
Show: Bloco na Rua>
Quando: Domingo (26), 19h>
Onde: Concha Acústica>
Preço: R$ 180 | R$ 90>