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Roberto Midlej
Publicado em 23 de novembro de 2023 às 06:00
O repórter ia para um hotel no Centro da cidade, entrevistar Lázaro Ramos, quando passou pela porta do Cine Glauber Rocha, na Praça Castro Alves. O motorista do carro ficou espantado com o movimento de pessoas e a quantidade de carros estacionados por ali em pleno feriado de 15 de novembro, às 16 horas: "O que é isso?! Deve ser alguma festa!" >
A depender do que se entenda por "festa", pode-se até dizer que, sim, era uma festa para aquele público, que passou 15 anos por aquele momento: Ó Paí Ó, clássico da comédia baiana que conquistou os cinemas locais em 2008, ganhava finalmente uma esperada segunda parte. E olha que ali era apenas uma pré-estreia. A estreia mesmo só acontece nesta quinta-feira (23), uma semana depois.>
Cláudio Marques, proprietário do Cine Glauber, esperava o sucesso daquelas sessões, mas confessa que foi acima da expectativa: "Tivemos o cinema lotado, 100% de ocupação, das 14h às 23h. Foram 16 sessões do filme, sendo que oito foram em venda para o público e quatro para convidados", revela o empresário. No total, somente naquele dia, três mil pessoas apenas para assitir a Ó Paí Ó 2. >
No fim de semana, ainda em pré-estreia, o sucesso seguiu: mais três mil pessoas. Ou seja: na soma, seis mil espectadores, o suficiente para lotar a Concha Acústica e ainda ficar gente de fora. "Fico impressionado como a população se identifica com o filme. O Glauber foi o número um em público, batendo todas as salas de shopping [que também fizeram pré-estreia do filme]. Isso é o resultado do nosso esforço para promover o cinema nacional e acolher a população que possui dificuldade em pagar ingressos mais caros", defende Cláudio.>
Lázaro também é só entusiasmo: "Este segundo filme nasceu de uma vontade do público e só existe por causa dele. Há uns anos, resgataram cenas do filme nas redes sociais, fizeram figurinhas [do Whatsapp], memes com as frases... Nunca vi algo como aconteceu nessa pré-estreia, com ingressos se esgotando em duas horas em várias sessões, a uma semana da estreia".>
15 anos depois>
Na nova história, passada 15 anos depois do primeiro filme, Dona Joana (Luciana Souza) vive o luto pela perda dos filhos Cosme e Damião e segue enfrentando os problemas de convivência com os inquilinos do cortiço no bairro do Pelourinho. Neuzão (Tânia Tôko), a dona do bar, também tem problemas: esta ameaçada de perder para um estrangeiro, de maneira ilegal, a fonte de seu sustento. É aí que a comunidade se junta para salvar o bar da amiga. Para isso, vão trabalhar na festa de Iemanjá, onde pretendem arrecadar um dinheiro para ela.>
Roque, o personagem de Lázaro Ramos, continua atrás da fama e do sucesso como cantor. "É o mesmo Roque [do primeiro filme], fiel à sua comunidade. Mas agora ele é pai, é exemplo e tem uma certa frustração porque faz muito tempo que tá tentando ter o sucesso. E neste filme ele encontra o significado de sucesso para ele, nos valores que ele tem".>
E Wagner Moura, que protagonizou cenas hilárias do primeiro filme com Lázaro, pode fazer falta ao público. A Lázaro, faz, ele mesmo assume:>
Lázaro Ramos
ator, sobre o amigo e colega Wagner MouraComo no primeiro filme, há bastante música nesta segunda parte. O público talvez estranhe porque, como nos musicais hollywoodianos, os personagens às vezes dançam e cantam, sem um motivo aparente. Mas Lázaro não vê problema algum nisso: "Nesses momentos, é como se fosse a gente passeando de carro por Salvador. Às vezes, a gente anda na Bahia e vê alguém dançando na rua, que abre o capô do carro e sai dançando. Pronto! Ó Paí Ó é um passeio de carro pelas ruas de Salvador", diverte-se Lázaro com a própria brincadeira.>
Uma negra na direção>
Atrás das câmeras, há uma importante diferença em relação ao primeiro filme: na direção, no lugar de Monique Gardenberg, está a baiana Viviane Ferreira, cineasta negra, do filme Um Dia com Jerusa (2020). "Muda o olhar, muda o que ela acrescenta de conhecimento de nossa cultura [a cultura negra], sobretudo de religiosidade, a maneira de enquadrar, o texto que vai se dizer, uma fala mais política...", defende Lázaro.>
Viviane fala sobre a importância de ter uma negra na direção de um filme sobre a vida de pessoas negras e os problemas que as afetam particularmente: "Como em toda experiência que se permite ser retratado por um olhar desde dentro, o acesso a compreensões alçáveis só por quem vivencia a particularidade e singularidade de integrar uma comunidade específica acaba sempre contribuindo para potência narrativa".>
E, para ela, sua experiência pode servir de exemplo: "É uma mudança que faz com que muitas outras meninas negras de Cajazeiras, Estrada Velha do Aeroporto e Bairro da Paz despertem o sonho de também ser diretoras de cinema".>
Em cartaz: Saladearte (Daten Paseo, Ufba, Cinema do Museu, MAM); Glauber Rocha; UCI Orient (Shopping da Bahia, Barra e Paralela); Cinemark Salvador Shopping; Cinépolis (Salvador Norte e Parque Shopping)>