Salvador é terra de muitas Carolinas

Exposição na Caixa Cultural homenageia legado de Carolina Maria de Jesus e celebra artistas negras soteropolitanas

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 1 de março de 2024 às 06:00

Com o  celebrado livro Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus foi traduzida para 13 línguas
Com o celebrado livro Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus foi traduzida para 13 línguas Crédito: divulgação

Carolina Maria de Jesus (1914-1977) sempre será uma referência para aqueles que lutam pelo direito à cidade, à moradia, à educação e à igualdade racial e de gênero no Brasil. Há 110 anos nascia em Sacramento (MG) a autora do consagrado Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, uma das primeiras publicações de uma autoras negras no Brasil, que, através da narração cotidiana da luta pela sobrevivência de Carolina e seus filhos na favela do Canindé (SP), expõe as faces do racismo e da desigualdade social vivida até hoje por milhões de brasileiros.

“Como você escreve verdadeiro, Carolina”, disse Clarice Lispector à colega de profissão. Foi esse escrever vivo que, apesar dos entraves no meio literário, se propagou e inspirou potências como Conceição Evaristo e uma levada de artistas negras dos mais diferentes domínios. Poderemos ver as obras de algumas delas na exposição Carolinas, que estreia nesta sexta-feira (1), 19h, na Caixa Cultural Salvador. Vera Eunice de Jesus e Marisa Regina Lima, respectivamente, filha e neta da homenageada, estarão presentes na abertura da mostra.

“A exposição Carolinas é uma oportunidade única para conhecer mais sobre a vida e obra de Carolina Maria de Jesus e o trabalho artístico desenvolvido por outras artistas negras baianas, cujo trabalho dialoga com a obra de Carolina. Através de documentos, fotografias, vídeos e outros materiais, a exposição oferece uma imersão na história dessa importante escritora brasileira, permitindo que as pessoas compreendam melhor seu contexto, suas lutas e seu legado”, explica Cintia Maria, diretora do Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira (Muncab).

A gestora cultural foi a responsável pela curadoria de Carolinas, reunindo 15 artistas negras baianas, de diversas expressões, para retratar a grandiosidade da influência de Carolina de Jesus na potente produção cultural do Estado. Além disso, Cintia ressalta que a mostra vem destacar a importância de dar visibilidade e reconhecimento a novas artistas e às contribuições delas para as artes e para a sociedade.

Durante sua vida, Carolina foi negligenciada muitas vezes ou apenas rotulada como a escritora favelada de diários, quando na realidade foi uma multiartista. Passou pela música como cantora e compositora, pelas artes circenses e até mesmo pela moda, com experimentações na costura. Na literatura, passou pelo romance, poesia, teatro, provérbios, autobiografia e contos. Sua obra mais famosa, Quarto de Despejo, foi traduzida em 13 línguas e adaptada para o teatro e a televisão. Em 2021, a autora foi homenageada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para celebrar e reconhecer sua importância na literatura.

Cintia não esconde a admiração por Carolina e sua obra, que define como fundamental para compreender o Brasil, proporcionando reflexão sobre as lutas diárias, as desigualdades sociais e as dificuldades enfrentadas pela população no nosso país. “Por meio de suas obras poderosas e provocativas, Carolina Maria de Jesus rompe com as narrativas dominantes, denunciando as injustiças sociais, dando voz aos marginalizados e expondo as realidades cruas enfrentadas por tantos brasileiros”, pondera.

Obra de Annia Rízia que integra mostra em homengem a Carolina de Jesus
Obra de Annia Rízia que integra mostra em homengem a Carolina de Jesus Crédito: divulgação

Carolinas de hoje

O processo de curadoria da exposição foi planejado e executado, levando em consideração aspectos de vida e obra de Carolina Maria de Jesus, além de estabelecer conexões com o legado e a produção artística das artistas convidadas, chamadas de “Carolinas Contemporâneas”.

Um dos nomes que compõem a mostra é a artista plástica Annia Rízia, nascida no Subúrbio Ferroviário. Escultora, pintora, aquarelista e desenhista, Annia, assim como Carolina, nasceu e cresceu em contexto periférico, enfrentando as adversidades impostas pelo preconceito de raça e classe. “Utilizo a arte como forma de expressar minhas dores, transformando experiências dolorosas em algo ‘lúdico’. Através da materialização de sentimentos e emoções, busco exorcizar as feridas que me marcaram e ainda me afetam”, conta.

Ganhadora dos prêmios Seed Awards 2022 e Fresh Legs 2022, Annia apresenta obras que exploram as particularidades das experiências negras, destacando a diversidade de tons de pele, inclusive albinos, como visto na obra Menino do Hip Hop, e a referência ao orixá Xangô, no profundo desejo por justiça.

Sobre a participação na mostra ela declara: “É verdadeiramente inspirador! Carolina de Jesus foi uma pensadora brilhante que desafiou todas as expectativas negativas que cercavam sua vida. Sua escrita profunda e realista sobre suas dores me motiva. Ao falar sobre minhas próprias experiências como mulher, negra e periférica, busco transmitir a autenticidade e a intensidade desse lugar que vivo, sinto e vivencio”.

Serviço - Caixa Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes 57, Centro) | De amanhã (2) até 28 de abril, com visitação de terça a domingo, das 9h às 17h30 | Gratuito.