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Estúdio Correio
Gabriela Cruz
Publicado em 27 de dezembro de 2024 às 06:00
Conversamos com um dos principais especialistas no país em comportamento humano nas organizações. Incansável questionador dos modelos ultrapassados de gestão, na entrevista a seguir, Alberto Roitman explica o conceito de mundo BANI, presente não só no meio corporativo, mas também nas relações humanas, praticamente regendo o comportamento dos indivíduos, além de trazer dicas e esclarecimentos sobre este novo jeito de trabalhar e viver. Segundo o pesquisador, que é TOP 7 RH Influencer Brasil e Chief Chaotic Officer na Escola do Caos, o mundo BANI “representa a chegada de algo indissociável ao mercado de trabalho: a autenticidade”. Autor dos livros “Você é o que Você Entrega”, “A Última Chance” e “Adeus Mundo VUCA, Bem-vindo Mundo BANI”, além de podcaster no Caos Corporativo, Roitman aponta caminhos para sabermos lidar com esta nova realidade. “Ao invés de tentarmos controlar as variáveis, temos que aprender a reagir rápido a elas”, sugere. >
CORREIO: Quais são as principais diferenças entre VUCA e BANI e por que é preciso se atentar a elas? >
ALBERTO ROITMAN: O mundo VUCA era regido por conceitos formatados por autores em uma época que não existia internet, cartões de crédito eram para ricos, carros não eram automáticos e não existiam redes sociais. Boa parte do mundo corporativo da atualidade entrou no mercado de trabalho e aprendeu a incorporar dogmas que não existem mais. Me lembro de ouvir do meu primeiro chefe que eu deveria dar o sangue pela empresa, que o cliente sempre tinha razão e que profissional bom é o primeiro a chegar na empresa e o último a sair. Este mundo não existe mais. O VUCA resumia uma época em que trabalhar muito era sinônimo de gente esforçada. Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo formaram um acrônimo que moldou as principais atitudes de profissionais e líderes. Com o advento da internet banda larga, da abundância da comunicação e da facilidade de estarmos todos conectados por meio de nosso celular, passamos a viver uma nova era. A postura de trabalhar muito foi substituída por trabalhar bem. É necessário ter equilíbrio psicológico, cuidar da saúde, respeitar o meio ambiente. Se você bate suas metas, fica rico ou rica e precisa fazer um cateterismo não valeu de nada. Não adianta ter um selo de uma empresa incrível para se trabalhar se houver uma quantidade enorme de reclamações no “Reclame Aqui”, ou mesmo de processos trabalhistas. O mundo BANI representa a chegada de algo indissociável ao mercado de trabalho: a autenticidade. É por isso que as pessoas estão questionando a maneira como algumas empresas lidam com clientes e funcionários. Tudo precisa ser transparente. Optamos, como sociedade, em evoluir pelo respeito e dignidade. Veja, se um motociclista sofre um acidente na rua, é muito provável que as pessoas que o circundam passem a gravar um vídeo para mostrar “real time” o que está acontecendo. A vida nas ruas está sendo transmitida pelo YouTube. Optamos pela verdade, e é por isso que no esporte temos o VAR. A injustiça não pode ter ajuda para acontecer. O B, de brittle, significa frágil. Ou seja, tudo é conectado. Se alguém toma uma sopa de morcego na China, o mundo para. A bolsa cai se alguém der uma declaração sobre a economia que gera insegurança. Estamos todos conectados, como um organismo. Já o A, significa: Ansioso. As principais associações médicas do Brasil apontam que um terço da nossa população economicamente ativa está em burnout ou toma remédios para dormir. Vivemos uma sociedade do cansaço. O N é de não linear. Tudo acontece o mesmo tempo. Recebemos uma quantidade tão grande de informações em um dia, que é o equivalente ao que nossos avós recebiam em 70 anos. Tudo é simultâneo. Por fim, o I vem de inexplicável ou incompreensível. De verdade, jamais saberemos o que acontece na guerra da Ucrânia ou no território Palestino. Não saberemos o que aconteceu nas Lojas Americanas e nem conseguiremos explicar porque alguns jovens viram presidentes de empresas antes dos 30 anos e outros, mais talentosos, não. Ao invés de tentarmos controlar as variáveis, temos que aprender a reagir rápido a elas. Por isso, o mundo VUCA não representa mais o que está diante de nós. O mundo é Bani. >
C: O cenário global de imprevisibilidade e transformação que marcou a transição do mundo VUCA para o mundo BANI está semelhante há 3 anos, quando o antropólogo norte-americano Jamais Cascio criou o conceito de mundo BANI, ou você percebe novas mudanças no comportamento da sociedade? >
AR: Sim, a sociedade vem se transformando radicalmente cada vez mais rápido. Há três mil anos antes de Cristo, quem tinha sal era rico. As famílias detentoras do sal ditavam como as pessoas viviam, trabalhavam e até como morriam. Levou três mil anos para essas famílias serem substituídas pelos detentores da prata. Três mil anos para que a esfera de poder mudasse! A partir daí, a transição do mundo passa a ser muito veloz. Leva-se apenas mil e quatrocentos anos para as famílias que tinham ouro dominarem a cultura mundial. E assim, vimos a dominância de poder mudar para as terras, escravos, petróleo, dólar e até mesmo a quantidade de funcionários. Estamos no Século XXI e a esfera de poder já mudou 3 vezes! Em apenas 23 anos! No bug do milênio, quem tinha informação era rei. Logo em seguida, passamos a ver que as pessoas mais poderosas passaram a ser as que detinham conhecimento. Hoje, o poder está nas mãos de quem aprende mais rápido. Isso é uma situação absolutamente sem precedentes. O poder está cada vez mais atrelado ao capital intelectual e relacional do que uma simbologia física. >
C: Como consultor de treinamento e desenvolvimento de pessoas há mais de 25 anos, o que você sugere para quem ainda não se adaptou a este novo momento? >
AR: Antes de mais nada, preciso dizer que sou um otimista. Acredito que apesar de vivermos um momento extremamente competitivo dos mercados, há uma oportunidade incrível de “resetar” o jogo. Se antigamente os recursos eram em pequeno número e concentrados em uma pequena quantidade de pessoas, hoje é justamente o contrário. Qualquer pessoa pode se destacar. Por isso, meu principal conselho é investir em si mesmo. Existe um número ilimitado de escola, produtores de conteúdo que oferecem acesso à informação e cursos gratuitamente nas redes. Portanto, a dica é: tenha sede de aprender. O conhecimento precisa ser como beber água do mar. Quanto mais bebemos, mais estamos com sede. Se um profissional incorporar a postura de inconformismo para aprender, certamente está na frente de outro que tem “apenas” dinheiro. >
C: O que é o caos ressignificado – conceito de liderança e inovação apresentado por você na Escola do Caos? >
AR: Trata-se de um conceito desenvolvido após entrevistarmos mais de mil e quinhentos executivos no mercado. Se a liderança no mundo VUCA era o comando e controle, hoje ela é mais leve, descentralizada. O caos ressignificado é o equilíbrio entre o rigor e a generosidade. Isso significa que o grande objetivo de um líder deve ser se tornar irrelevante. Quando isso acontecer, ele estará pronto para assumir novos desafios. Além disso, no mundo VUCA percebíamos que muitos líderes “sofriam” com o exercício da liderança. Era difícil tomar decisões duras e o feedback sempre era uma ferramenta renegada aos momentos de conversas cruciais. O caos ressignificado aponta que o exercício de liderança precisa ser prazeroso. Ao invés do líder ter todas as respostas ele precisa saber fazer boas perguntas. Para se tonar líder alguém precisa ter uma incrível habilidade relacional, de comunicação e vontade de se reinventar o tempo todo. A capacidade técnica não é o que define um bom líder. Não há espaço no mercado para idiotas brilhantes, ou seja, líderes extremamente técnicos ou experientes que humilham seus funcionários. O caos ressignificado é, sobretudo, um líder que doa amor. >
C: Qual o segredo para enxergar um caminho diante do caos? Essa necessidade de sempre se antecipar ao que está por vir é um dos motivos do aumento de casos de ansiedade? >
AR: Temos cada vez menos controle do que acontece no mundo. Mas nossa geração aprendeu a valorizar o planejamento estratégico e previsibilidade dos acontecimentos. Uma vez ouvi de um amigo que o brasileiro é o povo que menos gosta de surpresas. Minha proposta é que sejamos mais leves em não tentar traçar tantos cenários de longo prazo. Um bom planejamento é feito para os próximos 3 meses, no máximo. E novamente, ao invés de tentar se antecipar o que está por vir, tente reagir rápido aos estímulos de mercado. Se começar a chover, venda guarda-chuva. Mas ficar parado, analisando a previsão do tempo, pode inibir seus movimentos. >
C: Outros termos, como “grande reinicialização” e “protagonismo esclarecido”, fazem parte dos conceitos que você utiliza em seu trabalho. Fale um pouco sobre eles. >
AR: O mundo forçou uma grande “reinicialização” do programa que nos comandava. É como se tudo tivesse sido “resetado”. Com a pandemia fomos forçados a trabalhar no mesmo lugar que vivíamos. Nossas mesas de trabalho passaram a ser nas mesmas mesas onde fazíamos refeições. A saúde passou a ser mais importante do que o trabalho. Mas ainda assim, se antes trabalhávamos para viver, passamos a viver para se trabalhar. A grande reinicialização é uma maneira de dizer que passamos a nos divertir trabalhando. E isso é perigoso. Se nos divertimos gerenciando projetos, respondendo e-mails aos domingos não há problema. Mas quando se trata de um escapismo da vida real, é preciso parar. E aí surge o protagonismo esclarecido. O acesso a uma nova vida é tão fácil que não há motivo para fazer planos para o futuro. É possível mudar de vida a hora que se quiser, quantas vezes quiser. Para se tornar vegano ou vegetariano, basta escolher um entre as centenas de restaurantes que oferecem pratos em seus cardápios. Para se matricular em uma academia, basta procurar uma em seu quarteirão. Para aprender a economizar, basta baixar algum aplicativo gratuito. A vontade e a atitude passam a ser mais importantes do que os recursos. Mas é preciso “querer”, daí o protagonismo ser esclarecido. >
C: Durante a pandemia de Covid-19 ou logo depois dela, muitas pessoas pediram demissão, abriram as próprias empresas ou iniciaram novas jornadas. Na sua opinião, foram decisões acertadas ou precipitadas diante da crise econômica que se estabeleceu no mundo? >
AR: Na minha visão, o movimento de abandono dos empregos esteve muito mais relacionado a um entendimento de algumas pessoas de que não era mais possível aceitar alguns líderes. A pandemia ajudou a acelerar uma “clarividência” do assédio moral em muitas empresas. Isso aconteceu porque muitos líderes já eram ruins, mas as pessoas os suportavam pois tinham medo de mudar. Com a chegada da pandemia, o entendimento da saúde e do auto-amor recrudesceu. E o medo de pedir demissão foi substituído pela coragem de viver melhor. Pessoas pedem demissão de seus chefes e não de suas empresas. O Covid-19 não foi o culpado pelos pedidos de demissões, mas sim, os próprios chefes. >
C: Para quem continuou no emprego, a forma como encarar o trabalho também mudou. Quais as principais transformações e como os gestores ou donos de empresas podem se ajustar a esse novo momento? >
AR: Em primeiro lugar é preciso entender que o próprio funcionário é o responsável pela sua carreira. Antigamente, essa era uma atribuição do RH. Mas os gestores precisam dar os caminhos para que eles se desenvolvam. Líderes ou gestores precisam dedicar ao menos 40% do seu tempo para fazer gestão de pessoas. É por meio dos colaboradores que o resultado acontece. E por isso, o grande desafio dos líderes é fazer com que seus colaboradores queiram ficar na empresa. A retenção de talentos ganhou uma importância estratégica gigante. Selecionar boa gente, identificar quando a desmotivação chega e investir nos profissionais não é garantia para que fiquem na empresa, mas para que façam seu melhor enquanto estão lá. >
C: O conceito de carreira hoje é o mesmo que antes da pandemia? O que hoje é relevante para quem está construindo sua trajetória profissional? >
AR: O conceito mudou. Antes as carreiras eram verticais. Hoje, elas podem ser horizontais, paralelas, em Y, em Z. Existem diversos nomes. E a cada ano veremos alguém se reinventando. Para quem está construindo sua trajetória é importante saber que “é melhor ser uma metamorfose ambulante, do que ter a velha opinião formada sobre tudo”. A carreira é uma fotografia e não um filme. Pode mudar a qualquer momento. Deve mudar o tempo todo. Antigamente havia limites entre o setor público e privado, entre as universidades e as empresas. Hoje, todo mundo pode ser tudo. E isso é maravilhoso. >
Este conteúdo integra o projeto Fatos e Cenários, realização do Jornal CORREIO com patrocínio da Tronox e Unipar, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio da FIEB.>