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Estúdio Correio
Gabriela Cruz
Publicado em 23 de dezembro de 2025 às 15:05
Todo final de ano carrega um movimento quase ritualístico de pausa e reflexão. É quando revisitamos decisões, avaliamos o que funcionou, reparamos no que ficou pelo caminho e, inevitavelmente, projetamos expectativas sobre o que vem pela frente. Mais do que um exercício individual, esse balanço é coletivo: empresas, famílias e cidades entram nesse modo de observação, tentando compreender como mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e comportamentais estão moldando o próximo ciclo. >
O futuro, no entanto, deixou de ser uma linha contínua e previsível. Ele se apresenta cada vez mais fragmentado, acelerado e atravessado por forças simultâneas. E essa aceleração já é capturada pelos dados. No recorte do trabalho, por exemplo, o World Economic Forum estima que, no período até 2030, 39% das habilidades “centrais” dos trabalhadores devem mudar: uma parcela significativa do que hoje sustenta a empregabilidade tende a ser transformada ou se tornar obsoleta em poucos anos. Esse dado não é apenas uma estatística: ele redefine a ideia de carreira, desloca o valor para a aprendizagem contínua e pressiona a educação, da base à vida adulta, a operar em outro ritmo.>
Fatos e Cenários
É nesse contexto que os relatórios de comportamento e tendência se tornam ferramentas estratégicas para “ler o ar”. Um dos mais úteis é o Pinterest Predicts 2026, estudo anual construído a partir de buscas feitas na plataforma ao longo de dois anos, cruzando padrões emergentes e interesses por geração. É uma lente relevante porque se apoia em comportamento real: aquilo que as pessoas procuram quando ainda estão formulando referências, desejos e intenções, antes de virar compra, hábito ou pauta pública. >
O relatório deixa claro que 2026 tende a ser marcado por uma convivência de opostos: de um lado, o excesso (drama, maximalismo, fantasia, experimentação); do outro, a vontade de essencialidade, pausa e reorganização interna. A própria metodologia do documento explicita o recorte temporal e a leitura geracional que sustenta essas “pré-tendências”, reforçando que não se trata de um palpite estético, mas de recorrência de busca. >
Essa tensão também aparece quando olhamos para a tecnologia. A inteligência artificial saiu do discurso e entrou no cotidiano com velocidade mensurável. O AI Index 2025, de Stanford, aponta que 78% das organizações relataram uso de IA em 2024, um salto relevante em relação ao ano anterior. Isso ajuda a explicar por que as fronteiras entre real e digital ficaram borradas: não é só uma mudança de plataforma, mas uma mudança de infraestrutura cognitiva. A pergunta já não é “usar ou não usar”, e sim “como usar com critério”: checagem, autoria, transparência, vieses, segurança, e o impacto disso na educação, no trabalho e na cultura.>
Se o mundo exige atualização permanente, isso recoloca a pauta da educação em um lugar decisivo. “Aprender e desaprender” vira competência social, mas ele não se sustenta sem fundamento. A abertura deste caderno parte desse ponto: o aprendizado contínuo ganha status de requisito, e a educação básica volta ao centro como a base que dá tração para qualquer requalificação futura. É uma inversão importante: a escola não é só “o começo” do ciclo; ela é a infraestrutura que define quem consegue acompanhar as mudanças e quem fica para trás.>
No ambiente profissional, outra camada se impõe: a convivência entre gerações com expectativas distintas sobre estabilidade, autonomia, propósito, liderança, linguagem e tecnologia. O trabalho entre gerações deixa de ser um tema de RH e vira tema de produtividade, inovação e cultura organizacional. O que chamamos de “conflito geracional” muitas vezes é, na prática, choque de contrato psicológico: o que cada grupo entende como trabalho justo, carreira viável e vida possível.>
Ao mesmo tempo, o cansaço do individualismo e o excesso de ruído informacional estão reorganizando a forma como as pessoas buscam pertencimento e resolução de problemas. A inteligência coletiva — comunidades, redes de troca, grupos de prática — deixa de ser “um lugar de afinidade” e passa a funcionar como método. Em um mundo de alta complexidade, pensar junto, compartilhar repertório e construir respostas coletivas vira uma estratégia de sobrevivência social e, em muitos casos, um motor econômico.>
A sustentabilidade também aparece nesse pacote de revisão de valores, mas com uma mudança de narrativa: sai o discurso inalcançável, entra a ideia de sustentabilidade possível. A ciência do clima aponta que mudanças do lado da demanda (comportamentos, escolhas, serviços e estilos de vida, combinados com condições estruturais) têm potencial significativo de redução de emissões. Isso sustenta um ponto central deste especial: pequenas práticas, quan viram sistema, produzem grandes resultados. >
Por fim, até os símbolos do nosso tempo ganham sentido quando lidos nesse contexto. A escolha da Pantone para 2026 (o branco Cloud Dancer) não precisa ser tratada como “polêmica de internet”, mas como termômetro cultural: em um mundo barulhento, saturado e ansioso, a defesa do branco como essencialidade dialoga com esse desejo de pausa e reorganização interna, ainda que gere críticas e disputas interpretativas.>
O Projeto Fatos e Cenários é uma realização do Jornal Correio com patrocínio da Suzano, Tronox e apoio da Alba Seguradora, Sistema FIEB e Wilson Sons. >