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Roberto Midlej
Publicado em 13 de julho de 2015 às 11:41
- Atualizado há 3 anos
Por trás do momento de maior explosão do rock brasileiro, os anos 80, estava um carioca pouco conhecido do grande público pelo nome, mas que é um dos grandes responsáveis por diversos dos maiores hits daquele período. Bernardo Vilhena sempre se dedicou à poesia, começou a escrever poemas na década de 1970 e seu primeiro texto conhecido foi Vida Bandida, citado no filme Rio de Janeiro, de 1975 (Foto: Carol Rosman/Divulgação)Menina Veneno, sucesso na voz de Ritchie; Vida Louca Vida, que Cazuza gravou no álbum ao vivo O Tempo Não Pára; e Chorando no Campo, uma das canções mais lembradas de Lobão, têm em comum a presença de Bernardo Vilhena como letrista. Mas, antes de ser compositor, Vilhena, 66 anos, já era poeta, ofício que é sua paixão e do qual ele foi obrigado a se afastar de vez em quando para se dedicar a outros trabalhos, por falta de tempo.Agora, Vilhena volta às origens com um novo livro de poemas, cujo título faz referência a uma de suas composições mais conhecidas, gravada por Lobão: Vida Bandida e Outras Vidas (Azougue/R$ 46/208 págs.), que traz textos mais recentes do poeta.Leitor frequente de poemas desde a adolescência, Vilhena cita Vinicius de Moraes (1913-1980), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Ferreira Gullar como alguns autores que lhe marcaram. Cita também um poeta da terceira geração romântica, o maranhense Sousândrade (1833-1902): “Ele era crítico sem ser panfletário”, elogia o poeta-compositor. Cenário urbanoNos poemas e nas letras de Vilhena, há uma marcante presença do cenário urbano, especialmente nas referências ao Rio de Janeiro, onde foi criado.A boemia também está presente em seus textos, como nos poemas de Vinicius, que talvez seja sua maior referência: “Ele entendia perfeitamente o movimento das pessoas e, como sou de Ipanema, me identifico com isso”.Viveu muito tempo em Ipanema, mas foi também frequentador do subúrbio e do Centro Histórico, onde vivia sua avó. Transitava tão bem entre os diversos pontos da capital fluminense que se diz “turista da própria cidade”.O primeiro poema de Vilhena que se tornou público foi Vida Bandida, feito para o filme Rio de Janeiro. O curta-metragem de 1975, em Super 8, foi dirigido pelo artista plástico Luiz Alphonsus.A iniciação do poeta no universo musical começou no início dos anos 70, no Rio, um show que reunia Mutantes, O Terço e Soma. Vilhena escreveu o programa do espetáculo, que era uma colagem de diversas citações retiradas de letras do rock. “Também escrevi um texto em que eu falava o que eu entendia ser o rock e aquilo chamou a atenção de Ritchie, que tocava flauta no Soma”.Pouco depois, Ritchie procurou Vilhena e disse que estava montando uma nova banda, a progressiva Vímana, que tinha também na formação Lulu Santos e Lobão. O futuro compositor se juntou ao trio para fazer a iluminação dos shows.Lulu Santos Quando a Vímana acabou, Vilhena passou a ser um grande “fornecedor” de hits para Lobão e Ritchie. Mas foi Lulu Santos quem primeiro gravou uma composição dele, Gosto de Batom. A canção entrou no primeiro compacto do músico, em 1980. A música de Vilhena era uma parceria com Antônio Pedro Fortuna, ex-Mutantes e primeiro baixista da Blitz. “Eu estava na sala com ele, esperando a mulher dele ficar pronta. A cada dez minutos, ela aparecia com uma roupa diferente e perguntava se estava boa”, lembra-se, rindo. Foi aí que veio o refrão: “Diz que vai não vai/Muda a roupa/ Diz que vai vai vai/ Diz que não vai mais/Tira a roupa”.O primeiro sucesso nas rádios com letra de Vilhena veio em 1983, no primeiro álbum da Blitz: Mais Uma de Amor (Geme Geme), parceria com o mesmo Antônio Pedro e o guitarrista Ricardo Barreto.No mesmo ano, foi gravada a música que se tornou um dos maiores hits do pop rock brasileiro dos anos 80 e, certamente, um clássico do gênero: Menina Veneno, letra de Vilhena, com melodia de Ritchie, que a gravou no álbum Vôo de Coração.Vilhena lembra que a música veio num “insight”, enquanto dirigia na estrada: “Mostrei pro Ritchie e ele já tinha uma sequência harmônica pronta que tinha tudo a ver com a letra”, conta. A gravadora viu o potencial do hit e escolheu a canção como “música de trabalho”.Mas Vilhena jura que nem ele próprio acreditava que a canção seria um fenômeno, mais tarde gravado por Zezé Di Camargo & Luciano, Restart e outras várias bandas. Ritchie ainda gravou outros sucessos com letras do amigo, como Pelo Interfone, Casanova (que abria a novela Champagne) e A Mulher Invisível.Mas a mais memorável mesmo é Menina Veneno, que rendeu duas grandes dúvidas do pop/rock brasileiro: 1) afinal, o que é um abajur “cor de carne”? 2) quem foi a musa que inspirou a menina veneno?Vilhena diz que “cor de carne” vem da palavra alemã “fleischfarbe”: “Um maitre do Copacabana Palace afirmou, numa entrevista, que Marlene Dietrich dizia que essa era a cor dos abajures hotel e que ela adorava”, lembra-se. E não houve uma musa específica que inspirou a canção, diz o compositor: “É uma visão de um dos arquétipos do psicanalista alemão Carl Gustav Jung. É a mulher que todo homem queria ter. Ou, pelo menos, ver. Ou, quem sabe(?), ser”, brinca.RompimentoCom Lobão, a parceria também deu muito certo, até que o amigo deu um daqueles ataques impulsivos e Vilhena resolveu romper o trabalho em dupla. Pelo menos três dos maiores sucessos do roqueiro tinham letra de Vilhena: Chorando no Campo, Vida Bandida, Revanche e Vida Louca Vida, gravada também por Cazuza. Sabendo que o parceiro era bem genioso, tratou logo de avisar-lhe: “Você pode brigar com quem quiser, mas eu não vou brigar com você. Se as coisas começarem a dar errado, a gente para e simplesmente acaba o trabalho em dupla”.No fim dos anos 80, os dois foram gravar um especial para a TV Manchete, junto com grandes participações, como a bateria da Mangueira, o diretor Jayme Monjardim e o músico Jaques Morelenbaum. Nas gravações, Lobão deu um ataque de estrelismo: “Xingou, disse que o som tava uma merda e foi embora. Antes, ele já havia me deixado esperando em Londres, para gravar um disco, e não apareceu. Aí, vi que não ia dar mais e rompemos”, diz Vilhena.Distante da música ultimamente, o compositor diz que sente falta dos tempos em que o álbum era um formato com mais força no mercado fonográfico: “Gosto de compor para disco, em que as músicas tratam de assuntos mais ou menos parecidos e há coerência entre elas. Não gosto de fazer uma música ali e outra aqui”, justifica.O parceiro gringo Na foto acima, Vilhena (de óculos) está ao lado de Ritchie, que ele conheceu ainda na época em que o inglês integrava a cultuada banda de rock progressivo Vímana. O poeta e letrista é coautor dos maiores sucessos do amigo, como Menina Veneno e A Vida Tem Dessas Coisas. Na foto, aparece também a holandesa Alice Pink Pank, da Gang 90.Vida louca vida A música já havia sido gravada por Lobão, mas Bernardo Vilhena lembra que, na noite em que escreveu a letra, acordou de madrugada, depois de sonhar que Cazuza cantava o refrão. “Encontrei Cazuza num show e ele me disse que tinha ouvido Lobão e queria gravá-la”.O velho lobo Boa parte dos sucessos de Lobão teve letra de Vilhena: Corações Psicodélicos, Revanche e Vida Bandida são apenas algumas delas. A parceria chegou ao fim quando o músico deu um ataque de estrelismo durante a gravação de um especial para a TV Manchete.>