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Prosa e poesia de Moçambique são destaques em editora nacional

Desde o final do ano passado, a Kapulana passou a investir na ficção africana, descortinando um mundo novo para os leitores brasileiros

  • Foto do(a) author(a) Ana Pereira
  • Ana Pereira

Publicado em 30 de maio de 2016 às 10:39

 - Atualizado há 2 anos

Ilustração de Brunna Mancuso para o livro de Clemente Bata, da série Vozes da África(Foto: Reprodução)Usada largamente pelas mulheres de Moçambique, a capulana - aquele pano colorido que serve como saia, torço ou o que a criatividade mandar - é uma marca do país do sudeste africano. Por isso, foi escolhida pela professora e pesquisadora Rosana Moraes Weg, que viveu por lá entre 1982 e 1987, para batizar a editora Kapulana, criada por ela em 2012.No começo, a Kapulana fazia livros científicos bilíngues. Mas, desde o final do ano passado, passou a investir na ficção africana, descortinando um mundo novo para os leitores brasileiros. Afinal, com exceção do premiado escritor Mia Couto, que tem vários livros publicados no Brasil, quase nada escrito naquelas bandas chega até nós. “Sou da área de Letras e quando morei em Mocambique trabalhei com formação de professores e na Cruz Vermelha”, conta Rosana Moraes, que tem dotourado em Literatura Brasileira. O interesse pela ficção africana foi natural, à medida que ia conhecendo  livros editados no país e seus autores.  

Leia tambémEscritores e artistas plásticos recriam contos da tradição oralO destaque do católogo da  Kapulana são as séries Vozes da África e Contos de Moçambique. A primeira publica prosa (contos) e poesia de escritores africanos de língua portuguesa, como Angola e Moçambique. E a segunda, contos da tradição oral moçambicana, recriados por autores e artistas plásticos contemporâneos.Faces da realidade Duas das novas vozes apresentadas pela editora são os contistas Clemente Bata, 49 anos, e Suleiman Cassamo, 53.  De Clemente, está sendo lançado seu segundo livro, a coletânea inédita Outras Coisas,  com doze contos. Com uma prosa ligeira e envolvente, o autor relata situações do dia a dia complexo de seu povo, misturando tradições, problemas sociais e a herança sempre presente da guerra. 

O conto Jubileu das Dores, por exemplo, fala da tragédia da Aids. Mas de uma forma bem peculiar. Um dia, num exame de rotina, o jovem Jubileu descobre que que está com o vírus positivo. Depois de ter sua vida virada de ponta  cabeça, ele vai descobrir, anos depois, que foi vítima de uma fraude (intencional) no combalido sistema de saúde público.  Suleiman Cassamo, 56 anos, é um dos nomes de destaque da atual literatura moçambicana. Seu livro O Regresso do Morto, que reúne dez contos, foi originalmente publicado em 1994, apenas dois anos depois do país sair de uma sangrenta guerra civil. Pelo trabalho ele ganhou um prêmio internacional da Unesco. Não por acaso, o livro é dedicado às mulheres de seu país, que sofrem vários tipos de violência. As histórias são narradas ou protagonizadas por mães, avós e viúvas, que precisam driblar a dor para conseguir tocar suas vida. No conto que abre e dá nome ao livro, uma mãe se depara com o fantasma vivo do jovem filho que partiu para trabalhar nas minas de ouro, carvão e ferro. Dado como morto há sete anos, ele regressa, mesmo feito zumbi. Tanto Clemente Bata quanto Suleiman Cassamo utilizam várias expressões das línguas locais em seus contos, o que obriga o leitor a volta e meia ter de recorrer aos glossários no final das publicações. O que quebra um pouco o ritmo da leitura, mas ao mesmo tempo mostra como a língua portuguesa vai ganhando outras feições mundo afora. Além dos glossários, os livros também são ilustrados. O de Bata, pela artista visual Bruna Mancuso, e o de Cassamo, pela estudante de literatura africana Mariana Fujisaawa, amabas brasileiras.LirismoO único livro de poesia do conjunto é de De Terra, Vento e Fogo, terceiro livro de Lica Sebastião. Preparada para a editora brasileira, a publicação reúne 40 poemas inéditos, cujos títulos são apenas números e tratam quase todos do mesmo tema: o amor, a perda e como superá-la. A natureza, que se expressa a partir do título, é o ambiente em que os versos se constroem, como bem traduz o poema número 2. “Sou a ponte e tu o rio.\Queria antes ser cada uma de tuas margens\. Em todas as estações cuidares do meu solo sedento”.“Na nossa filosofia, a mulher é a terra, onde se coloca a semente que germina. Portanto, a mulher é o receptáculo do amor, da dor e da força da reinvenção da vida”, anota a escritora e pesquisadora Teresa Manjate no prefácio. Para Teresa, que também assina o texto Os Desafios dos EUs em Lica Sebastião, os poemas de Lica buscam uma nova maneira de escrever na poesia moçambicana. No conjunto, analisa Rosana, são autores que oferecem um recorte plural do país, indo além das questões do colonialismo e dos temas ligados à libertação nacional, para falar de temas mais atuais.  Até setembro, a editora Kapulana acrescenta mais quatro vozes à seu catálogo. Uma delas é a escritora Noémia de Sousa (1926- 2003), consideradas uma das autoras mais importantes do país. E o desafio, afirma Rosana, é fazer com que estes livros circulem e atraiam a atenção dos leitores brasileiros.