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Larissa Almeida
Publicado em 7 de novembro de 2024 às 05:30
Em cada um dos 365 dias de 2023, pelo menos sete pessoas negras sofreram com a letalidade policial em noves estados brasileiros, mas somente a Bahia teve um número de mortes que representou quase a metade (47,5%) das pessoas negras mortas nesses estados. Ao total, foram 1.321 vidas negras perdidas, o equivalente a 77,6% do total de óbitos registrados na Bahia (1.702) no ano passado. Os dados são do boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança.
Os estados em questão, monitorados pela entidade, foram Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, foram 4.025 mortes. Destas, em 3.169 casos foram registrados os dados de raça e cor, sendo 2.782 (87,8%) pessoas negras. Na Bahia, dos 1.396 casos em que foram registradas raça/cor da vítima fatal, 1.321 (94,6%) eram pessoas negras, o equivalente a uma morte a cada sete horas.
Porta-voz da Rede de Observatórios de Segurança, Ana Paula Rosário vê a violência contra a população negra baiana como resultado de outros atravessamentos, como o racismo e a escalada da presença de facções, que são problemas com pesos distintos: enquanto um é histórico e organizou a população negra às margens da sociedade, o outro é produto da modernidade e mantém a lógica da exclusão, o que se reflete na ocupação territorial.
“Se formos analisar, a maioria dessas mortes ocorrem em espaços que são considerados marginalizados. A Bahia, inclusive, está abrigando cinco das cidades mais violentas do Brasil”, aponta Ana Paula.
Outro fator é a intensificação da política de guerra às drogas que, segundo Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança e pesquisador da Iniciativa Negra, promove um massacre racial. O termo foi consolidado pelo Supremo Tribunal Federal a partir da resolução sobre a criminalização da maconha, quando ficou estabelecido que a aplicação da Lei de Drogas é uma questão sobretudo de raça.
Refém da violência promovida por organizações criminosas e pela ação hostil da força policial nas comunidades, a população negra baiana encontra poucas brechas. Para Samuel Vida, coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (Ufba), uma das poucas que restam é a denúncia.
“Como medida prática por parte das famílias negras que vivem nas periferias e estão sujeitas a essa violência, é fundamental que se intensifique a prática de registrar e filmar toda abordagem policial. Essas abordagens precisam ser escrutinadas pelas câmeras da sociedade civil. Não dá para esperar mais as câmeras policiais”, afirma.
Quanto a secretaria de segurança pública do estado, a sugestão de Samuel é para que se apliquem as câmeras corporais nas fardas dos policiais que atuam na linha de frente do confronto armado, e não apenas na farda de policiais que atuam na fiscalização de tráfego ou em posições secundárias.
Além disso, ele acredita que é preciso reivindicar o reconhecimento governamental de que há uma crise na segurança pública. “O governador Jerônimo Rodrigues tem, insistentemente, dado declarações que são no mínimo negacionistas, dizendo que não há problemas e que a polícia tem o controle da situação. O que é possível verificar, no entanto, é que há um fracasso total do modelo de segurança pública com toda essa letalidade que atinge inocentes, enquanto o crime organizado continua se fortalecendo”, finaliza.
A reportagem procurou a Polícia Militar e a Polícia Civil para se posicionarem sobre os dados divulgados pelo boletim da Rede de Observatórios de Segurança. Ambas as pastas sugeriram o contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Procurada, a SSP-BA inicialmente não respondeu ao CORREIO sobre os números da letalidade policial nem sobre estratégias para reduzir tal cenário. Um dia depois, a secretária divulgou a nota abaixo:
A Secretaria da Segurança Pública ressalta que as ações preventivas realizadas pelas Forças Policiais e de Bombeiros resultaram na redução de 6% das mortes violentas em 2023, na comparação com o ano anterior.
Informa também que em 2024 (entre janeiro e outubro), com ampliação do trabalho de inteligência, as ocorrências de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte apresentaram diminuição de 10%. Lembra ainda que nos meses de maio, junho, julho e agosto, a Polícia Civil contabilizou os menores índices de mortes violentas dos últimos 12 anos.
A SSP acrescenta ainda que tem investido em capacitação, tecnologia e equipamentos de investigação, buscando sempre retirar das ruas armas de fogo. Em 2023, as Forças da Segurança apreenderam 55 fuzis, número recorde. No total, 6 mil armas de fogo foram apreendidas naquele ano.
Acrescenta que durante as ações para localização de armamentos, nos últimos três anos, cerca de 300 viaturas foram atingidas por disparos de armas de fogo.
Por fim, a SSP reitera o compromisso com a atuação dentro da legalidade, buscando sempre proteger a população.